Artigos

NARCISO E O AMOR

Kátia Araújo e Adriana Carrijo

Narciso era filho do rio Cefiso e da ninfa Leríope. Nasceu mais belo que todos os imortais, o que o levou a ser desejado pelas deusas, ninfas e jovens da Grécia inteira! Mas tal encanto perturbou Leríope. Quantos anos viveria o mais belo dos mortais?... O temor levou a mãe preocupada a consultar o velho adivinho Tirésias, que lhe disse apenas: "Narciso viverá longos anos, desde que não se veja."

E as grandes paixões pelo filho do rio Cefiso começaram... Jovens e ninfas da Beócia inteira ficaram irremediavelmente presas à beleza de Narciso que, no entanto, permanecia insensível. Entre as apaixonadas encontrava-se Eco, uma ninfa que fora castigada pela deusa Hera, a "defensora dos amores legítimos", que descobrira uma traição de Zeus com a participação de Eco. Hera, furiosa com a ninfa, condenou-a a não mais falar: repetiria tão somente os últimos sons das palavras que ouvisse.

Era verão e Narciso caçava com alguns companheiros. Eco o seguira sem se deixar ver. Acontece que, tendo se afastado em demasia dos amigos, o jovem começou a gritar por eles. Eco, pensando que Narciso a estava chamando, vai ao encontro do mesmo. Ao deparar-se com o jovem, este não a vê, e ela passa desapercebida como as outras jovens. Tão friamente repelida, mas ardendo em paixão, Eco se isola e fecha-se numa imensa solidão. Por fim, deixa de se alimentar e definha, transformando-se num rochedo, capaz apenas de repetir os derradeiros sons do que se diz. As demais ninfas, irritadas com a insensibilidade e frieza do filho de Leríope, pedem vingança a Nêmesis, deusa da justiça, que prontamente condenou Narciso a amar um amor impossível.

Era novamente verão. O jovem Narciso, sedento, aproxima-se da límpida fonte de Téspias para mitigar a sede. Debruçando-se sobre o espelho imaculado das águas vê a própria imagem refletida no espelho da fonte de Téspias. Ao ver-se não pode mais sair dali: apaixonara-se pela própria imagem. Nêmesis cumprira a maldição. Estirado na relva opaca, Narciso entrega-se ao seu enlevo e, por seus próprios olhos, morre de amor.

Procuram-lhe o corpo: restava apenas uma delicada flor amarela, cujo centro era circundado por pétalas brancas. Era o Narciso. Ele não respirava. Nunca suspirou. Sempre considerou-se pleno, sem espaço para viver a troca.

O movimento respiratório livre relaciona-se à fluência da ligação corpórea. Paralisar este fluxo acarreta a morte... Narciso: momento de morte?

O fascínio pela auto-imagem resulta nesta pulsão de morte. Sua expressão se dá através da rigidez. Devido à incapacidade de amar, rompe-se com o real, há a frieza do contato e o estancamento do amor. Narciso vê na pupila dos olhos do outro sua própria imagem refletida. Inspira somente em si mesmo (se respira).

O amor é a via de encontro do outro bem como de nós mesmos. Narciso, preso à sua própria cilada, assemelha-se a um cão que morde o próprio rabo (uróboro), confundindo-se com si mesmo, invejando-se sem saber. Não sabendo se amar, acaba por auto devorar-se.

Segundo Jung: "Se não quisermos ser feitos de tolos pelas nossas ilusões devemos, pela análise cuidadosa de cada fascínio, extrair deles uma parte de nossa personalidade como uma quintessência, e reconhecer lentamente que nos encontramos conosco mesmos repetidas vezes, em mil disfarces, no caminho da vida."