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INTEGRANDO NOSSO LADO PLUTONIANO

Miriam Bergamini Mantau

Plutão, regente do signo de Escorpião, simboliza o que há de mais intenso, incontrolável, poderoso, despojado e arrebatador que podemos experimentar. Sua colocação no mapa natal aponta a "Moira", nome dado pelos gregos à Necessidade, aquilo que irá violentar nossa inocência e nos conduzir ao mundo das sombras. Lá não poderemos argumentar com a razão, desafiar com a força, nem pleitear justiça como a conhecemos. Lá, de tão escuro, muitas vezes nem conseguimos nos mover. De tão assustador, podemos bloquear o fluxo da vida e ficarmos petrificados, incólumes à sensibilidade, em estado de morte. Mas não podemos tirar Plutão do nosso mapa e, conseqüentemente, eventualmente iremos tê-lo ativado no nosso esquema natal. E aí, o que fazer?

Nosso dia-a-dia nos conduz a um equilíbrio muito frágil para visitante de tamanho porte. De forma análoga ao mito, somos como Perséfone, figura mitológica que podemos associar aos signos de Escorpião e Virgem (a donzela) que está associado à Casa-06 do mapa astrológico, o setor do dia-a-dia, dos nossos hábitos... Estamos habituados, como Perséfone, a sermos cuidados por Deméter, a Mãe-Vida, e não percebemos que tudo muda todos os dias e que na Natureza (Deméter) e em seus frutos (Perséfone), Plutão age e interage o tempo todo. Tudo morre e renasce o tempo todo. A vida renasce na escuridão do fruto num ciclo interminável e absolutamente previsível. Mas se como Perséfone, tentamos nos agarrar à nossa inocência que impede nossa entrega à vida, o padrão mítico plutoniano, representado por Hades ou Plutão, se encarregará de irromper das profundezas. Mas não é fácil concatenar com esse processo. Virgem é um signo de iniciação, portanto, de penetração profunda, que o mundo moderno alienou à subserviência do trabalho. Portanto, ficamos frágeis, distanciados de nossos rituais de passagem.

Quando vamos ler o mapa de um plutoniano, temos sempre que ser muito sinceros. Costumamos dizer que não se engana a nenhum deles. Sinceridade é a grande dádiva de Plutão. Para sermos sinceros é preciso que estejamos em contato com o âmago de nossa natureza, que sejamos autênticos em nossa força e coragem, mas também em nossa imperfeição e vulnerabilidade diante da Necessidade. Nesse estado, rompem-se os preconceitos, e nasce o estado de observação pura, capaz de mobilizar toda nossa escuta interior para perceber e responder a um apelo plutoniano.

Já ouvimos dizer popularmente que a morte é o grande encontro. Mas em vida Plutão também promove grandes encontros: os amores intensos, que desnudam nossa fragilidade mas podem nos fazer encontrar tesouros ocultos jamais vistos à superfície; as terapias profundas, que também nos desnudam para encontrar nosso diamante interior em estado bruto que nunca pode se expressar; até mesmo a perda de um ente querido, muitas vezes pode desencadear o encontro de valores muito mais verdadeiros que outro tipo de experiência não consegue contatar.

Nossa cultura ocidental desgosta de falar em morte, deixando-a exilada do processo da existência e portanto "na sombra". Não falar, não fazer contato, torna a experiência plutoniana desumana, cruel, distante dos padrões de ganho, manutenção e perpetuidade da metade que denominamos vida. É difícil morrer nesse universo de negação. Igualmente é difícil viver nesse universo de negação.

Nosso corpo tem relação direta com a barreira que fazemos à morte. Touro se opondo à Escorpião. A forma se opondo à essência. Se queremos trabalhar a nossa "sombra", podemos começar tentando encontrá-la no corpo, ou através do corpo. Nossa vulnerabilidade diante da Necessidade está registrada ali. Se considerarmos Escorpião e a Casa-08, signo e casa do inconsciente herdado que precisamos trabalhar para nossa transformação, não podemos excluir Touro e a Casa-02 (seu eixo oposto) desse processo. Nossas formas apegadas de lidar com nossos limites, nossos medos, nossos traumas, nossas inseguranças, estão todos contidos em nossas sensações e em nossa estrutura física e buscar respostas aí pode ser como ir direto à fonte. Trabalhar com Plutão, portanto, também é resgatar o que temos de mais próximo e palpável que é o nosso corpo. Algumas psicoterapias atuais têm buscado esse caminho, percebendo que o corpo não pode ficar alienado da psique. É o instrumento que temos para integrar experiências plutonianas.

No entanto, quando somos apanhados impotentes, aprisionados, obsessivos ou corrompidos pela energia de Plutão, é difícil pedir ajuda. O assombro pode nos tornar manipuladores, como defesa diante do incontrolável. Assistimos regularmente a tentativa de controlar a vida através de processos de manipulação explícita intelectual ou prática (haja visto vários procedimentos da medicina alopática moderna para prolongar a vida que se chocam com a ética da nossa essência e dignidade). Ser natural, há muito já é considerado contracorrente. É importante percebermos que no desejo de controle, perde-se a essência da intensidade. Viver é estar intenso, ou trocando tensão com o ambiente. Nossa saúde existe nesse equilíbrio de troca. Se controlarmos demais, aniquilamos nossa expressão verdadeira e vivemos em estado de morte. E, para "descontrolar", ou soltar, podemos depender de um estado derradeiro de tensão ou angústia que nos empurra ou nos faz explodir; precisamos "morrer" ou que algo morra para descobrir que estávamos vivos. E toda nossa intensidade se esvai. E nosso dia-a-dia fica penoso pois nossa energia foi "roubada" (veja-se na mitologia – o rapto de Perséfone).

Mas, sutilmente, se aceitamos o casamento com Hades ou se aceitamos integrar o nosso lado plutoniano, seja ele destrutivo, sombrio, doloroso, num trabalho consciente, podemos desmistificar a ameaça plutoniana. Quando abrimos nossos canais para a vida (e, fisicamente, nossos "canais" de entrada e saída estão ligados ao eixo Touro-Escorpião), poderemos ter que enfrentar nossa dor mais arcaica, mas também desmascarar o controle, o ciúme e a inveja, sentimentos atribuídos a Plutão, que na verdade sinalizam potenciais de entrega que ainda não conseguiram se expressar. Trabalhar Plutão requer sempre um guia (como Psicopompo, que ajudava na travessia para o reino dos mortos) que pode ser alguém que já tenha descido ao averno e conheça o caminho. Alguém que se disponha a ser o elo de conexão e de amparo. Se resolvemos trilhar esse caminho, com certeza, no final estaremos renascidos, muito mais sensíveis e presentes, de corpo e alma, em contato com nossos sentimentos mais profundos, para permitir que o amor penetre em nossa sombra e nos cure.

Coragem? Eu diria: Necessidade!