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O APOCALÍPTICO FIM DO MUNDO

Luci Croccia

Estamos prestes a vivenciar o final dos tempos? Aproxima-se o tão temido apocalipse? O que presenciamos é indicação de que o fim está próximo? Estas perguntas e muitas outras têm sido feitas ao longo dos séculos a cada novo conflito entre nações, a cada nova doença incurável, a cada nova invenção capaz de levar à extinção da vida no planeta. Os céus são perscrutados, os oráculos consultados, as profecias analisadas e as associações possíveis e impossíveis realizadas.

Hoje estamos experienciando um destes momentos. Muitos profetas surgem dizendo-se detentores da Verdade e acenando com promessas de algum tipo de salvação, seja ela uma fuga garantida por extraterrestres, a certeza de acompanhar o planeta em seu degrau evolutivo ou a esperança de resgatar os karmas e ultrapassar os limites das encarnações de expiação. Alguns exaltam as pessoas a abandonar seus lares e locais de labor e crescimento para se posicionarem melhor que os outros, podendo assim escapar à grande tragédia, outros propõem suicídios em massa, e ainda outros asseveram que somente através da penitência se pode alcançar a salvação. Indicam os caminhos a serem seguidos, alarmam as pessoas e na maioria das vezes não conseguem dizer a elas o que realmente deveriam saber: "O fim do mundo é nosso próprio fenecer, inexorável desde o dia do nosso nascimento". Este é apenas um ciclo como todos os que já vivemos e iremos viver. Os ciclos tentam nos ensinar algo sobre a vida e a morte, mas nós não prestamos atenção, pois temos os olhos voltados para os grandes acontecimentos coletivos, aqueles que estão, quase sempre, muito longe de nós, e dos quais nos sentimos vítimas, perdendo assim a grande oportunidade de crescermos ao assumir a responsabilidade por todo e qualquer evento em nossas vidas, mesmo os coletivos.

O mundo vai acabar? Bem, aquilo que conhecemos como mundo, sim. No universo tudo é dinâmico e não podemos conceber algo que nunca se transforme, seja através de simples questões climáticas e alguns movimentos geográficos, seja através de sua total pulverização no cosmo. Sabemos que a Terra já teve muitas fases em sua trajetória como planeta do sistema solar, mas talvez desconheçamos suas outras experiências já que nossa capacidade de investigar o universo é ainda muito ínfima perto de tamanha imensidão de possibilidades. Talvez o melhor que possamos fazer para lidar com toda esta questão de "Fim dos Tempos" seja nos posicionarmos diante dela com a humildade de Sócrates e dizer como ele: "Só sei que nada sei".

Não estou propondo uma fuga à realidade, apenas questiono o que é real. De que realidade estamos falando? É real esta existência, o mundo, os sentidos? Buda nos dizia que o mundo é uma ilusão, Cristo falava de um reino que não era este, e em todas as doutrinas filosófico-religiosas encontramos a idéia de que somos mais seres humanos, embora devamos preservar e cuidar do corpo que nos permite aprender as lições deste planeta. Então qual a importância do fim deste mundo onde estamos de passagem, se não for pelo que devemos aprender sobre nós mesmos nesta ocasião? Não se trata de saber quando a Terra iniciará o seu processo de transformação, e do quanto isto irá afetar a vida sobre ela, não se trata de para onde ir ou que providências tomar para escapar dos possíveis cataclismos; trata-se, isto sim, de perceber a nossa total participação nos acontecimentos, não apenas nesta existência mas em todas as outras e começarmos a nos responsabilizar pelas transformações que deveriam estar ocorrendo em nossa consciência neste momento.

Pertencemos ao conjunto de tudo que compõe o que chamamos universo. Como nos diz Capra, em seu livro "A Teia da Vida", somos um sistema dentro de sistemas de modo interminável. Tudo que afeta um elo deste intrincado complexo afeta todo o complexo, de tal modo que em última instância será por ele mesmo afetado. Logo, se transformação é a palavra de ordem na existência deste organismo e somos parte dele, não só estamos sempre dinamicamente nos modificando, quanto estamos a cada movimento nosso provocando uma alteração em todo o sistema. E dentro desta lógica podemos dizer que os ciclos de vida e morte que se perpetuam em todo o universo, por nós conhecido, é parte integrante deste sistema. Assim, já que "no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", como dizia Lavoisieur, continuaremos ligados a todo este contexto universal seja de que forma for, e a diferença estará, tão somente, no nível consciencial de cada um.

Podemos então entender que estamos sendo chamados a despertar para o sentido da existência e para a conscientização de nosso papel dentro do universo, não como um grupo a solucionar as questões galácticas, mas como seres individuais capazes de afetar o cosmo com um pensamento, um sentimento, um movimento de cabeça, um aperto de mão.

A coragem não está em conviver com a "realidade" do fim do mundo, mas em continuar desenvolvendo sua criatividade, seu senso de responsabilidade por tudo o que acontece e assumindo seu lugar no grupo ao qual pertence e junto ao qual tem uma missão a ser cumprida. Se participaremos ou não de um momento catastrófico, não saberemos até que chegue a hora. No entanto sabemos que para muitos as tenebrosas profecias já aconteceram. Muitos já pereceram em desmoronamentos onde ficaram dias soterrados vivos, muitos se queimaram irremediavelmente e sofreram as dores atrozes dos sobreviventes de Hiroshima, outros naufragaram em tempestades de imensas ondas. Mães viram seus filhos serem levados por doenças implacáveis, em lamentável sofrimento; filhos viram seus pais executados em seus próprios lares por algozes encapuçados. Maremotos, erupções vulcânicas, terremotos, ciclones arrasaram cidades, tiraram vidas, destruíram plantações. Estes são alguns apocalipses particulares que vivenciamos nesta ou em outra das muitas vindas a este planeta, isto sem contar com as eternas disputas entre os homens que desde tempos imemoriais se matam, escravizam, torturam, sacrificam os seus semelhantes. Por que temer o final dos tempos? Já não morremos de sede, de fome, na peste ou em masmorras infectas? Já não vimos os nossos mais caros parentes ou amigos serem sacrificados, perseguidos, aniquilados? E por quantas vezes não fomos nós mesmos os agentes de tantas tragédias?

Deixemos de lado as dramatizações, pois elas cabem melhor no teatro da vida terrena que na existência espiritual, e busquemos um rumo mais elevado a seguir, um sentido maior para o nosso existir. O futuro não nos é dado desvendar, poderemos estar aqui no apocalipse, assim como poderemos haver passado para o outro lado poucas horas antes que ele ocorra, a escolha nem sempre é consciente. É preciso entender que tudo tem uma razão de ser: o amor que une, a criança que nasce, o velho que morre, são ciclos de um sistema infinitesimal dentro de sistemas maiores que compõem o universo, do qual somos parte integrante.

Vivamos o nosso fim de cada dia, de cada ano, de cada vida, trabalhando sempre por uma consciência mais clara do nosso sentido neste dinâmico universo, pois somente deste modo estaremos contribuindo para mudanças mais positivas no todo desta imensa Teia da Vida.