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ASTROLOGIA E CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA

Ricardo Sazaki

Quando falamos de astrologia, podemos inserí-la no quadro das ciências contemporâneas? A astrologia é uma ciência no sentido moderno da palavra, ou seja, um conjunto de métodos de observação e medição que, por meio de estatística e probabilidade, pretende chegar à formulação de leis? Se não, qual o tipo de ciência ela é?

Uma comparação com a ciência moderna seria bastante inviável para a astrologia tradicional. Não porque ela não possa ser observada em alguns dos seus processos ou mesmo medida em outros, mas porque através de uma simples observação dos fenômenos celestes é impossível concluir leis que expliquem os processos astrológicos. Todas as tentativas feitas no sentido de aproximar ciência e astrologia nunca resultaram em novas teorias ou na descoberta de leis. A única coisa que se conseguiu foi confirmar, às vezes, alguma hipótese astrológica já existente! Através de métodos aprovados pela ciência (pois vez ou outra tais métodos são substituídos por outros que os cientistas julgam mais precisos e objetivos) estuda-se determinada tese ou afirmação astrológica preexistente. Ora, isso não pode ser considerado "ciência astrológica" ou "astrologia científica", mas tão somente a utilização de um conjunto de métodos de verificação e medição, aceitáveis por uma elite num certo momento da história, como parte de um conjunto de conhecimentos já elaborados sem nada a acrescentar.

RACIOCÍNIO TEMPORAL
Existe um outro ponto que ainda não permite integrar a astrologia às ciências atuais. Estas últimas possuem um raciocínio extremamente causal. Isto significa que através de um estudo de um certo campo ou conjunto de elementos, a ciência moderna procura ver as conseqüências das ações daqueles elementos. É um raciocínio temporal, de causa e efeito, de antes e depois. Tal modo de pensar não é falso, pelo contrário, mostra-se útil muitas vezes. É preciso entretanto saber quando usá-lo, pois em nem todas as situações ele é aplicável. Lembramos aqui de um exemplo dado pelo filósofo Allan Watts sobre este emprego indevido do raciocínio causal: imaginem um muro contendo um pequeno orifício, suficiente apenas para alguém ver um pequeno campo do outro lado. Uma pessoa chega até o orifício e neste momento vê a cabeça de um gato. Momentos depois vê o corpo cheio de pêlos e logo uma cauda. O gato volta novamente e mais uma vez esse alguém vê a mesma seqüência: cabeça, um corpo escuro e uma cauda. O acontecimento continua. Então o alguém raciocina que o acontecimento cabeça é a causa invariável e necessária do acontecimento cauda, o qual é o efeito da cabeça. O exemplo fala por si só. Toda falha aí está e desconhecer que os dois acontecimentos, cauda e cabeça, são parte de um organismo, um só corpo!

O mesmo raciocínio pode ser empregado ao estudo astrológico. É inútil tentar ver nos movimentos celestes a causa dos comportamentos individuais humanos e sociais, como muitos astrólogos insistem em afirmar. Os astros não causam nem influenciam os atos humanos do mesmo modo que a cabeça do gato não causa a sua cauda.

Movimentos celestes e movimentos humanos não fazem mais do que pertencerem ao mesmo movimento, um mesmo sistema de relações unidas por correspondências analógicas. Ambos os sistemas, celeste e terrestre, têm funções e relações análogas. Assim, a função espacial que um dado elemento celeste exerce em seu sistema corresponderá à de um outro elemento, na Terra, que será exercida também em seu sistema. Estes dois elementos, um no céu e outro na Terra, são assim análogos, pois cada um, em seu campo de atuação, exerce as mesmas funções ou estabelece as mesmas relações com outros elementos de seu sistema. É deste modo que a astrologia permite traçar uma correspondência entre o elemento pele no corpo humano, a qual reveste e protege o homem, e o elemento planeta Saturno no céu, o qual é o último planeta visível no sistema solar e delimita assim o campo físico do seu sistema; ou ainda entre o elemento coração, que diretamente é responsável pela vida e movimento do corpo humano e o elemento planeta Sol, que é a fonte de luz, calor e centralidade do sistema solar. Em ambos os casos, trata-se de uma correspondência analógica e não de uma relação causal.

Por meio de um estudo acurado dos corpos, o humano, o celeste, o social e os demais, torna-se possível, então, formar um conjunto de relações existentes no sistema como um todo. Ou como inspiradamente já disse Proclus:

"... como se faz na dialética do amor, partimos das belezas sensíveis para elevarmo-nos até que encontremos o "Princípio Único" de toda a beleza e de toda idéia; é assim que os adeptos da Ciência Hierática tomam como ponto de partida as coisas aparentes e as simpatias que se manifestam entre elas e com as potências invisíveis. Observando que tudo está em tudo, eles postularam os fundamentos da Hierática, espantando-se de ver e admirando nas realidades primeiras os últimos dos seres e nos últimos os primeiros; no Céu as coisas terrestres segundo um modo causal e celestemente; e na Terra, as coisas celestes numa condição terrestre... que outra razão se pode dar para o fato de que o heliotrópio segue por seu movimento o movimento do Sol e o selenotrópio o movimento da Lua, fazendo cortejo, na medida do seu poder às tochas do mundo? Pois, na verdade, toda coisa ora segundo o grau que ocupa na Natureza e canta louvor ao chefe da série divina a que pertence, louvor espiritual, ou racional, ou físico, ou sensível; pois o heliotrópio se move conforme esteja livre em seu movimento e, na trajetória que ele faz, se pudéssemos ouvir o som do ar batido pelo seu movimento, perceberíamos que é um hino ao seu Rei, tal como uma planta o pode cantar..."

Ricardo Sazaki é autor do livro "O Caminho Contemplativo - Um Guia para Meditação" da Editora Vozes. Artigo publicado no jornal Quíron No 5, de Nov/Dez de 1991.