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ELIZABETH I: UM REINADO
ILUMINADO PELOS ASTROS

Otávio Azevedo

Uma das figuras históricas mais celebradas na festa de entrega do Oscar, além de Shakespeare, foi a da monarca inglesa Elizabeth I, duplamente representada nos filmes "Shakespeare Apaixonado" e "Elizabeth". Judi Dench, que a interpretou em "Shakespeare Apaixonado", ficou com o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Cate Blanchett, atriz principal do filme "Elizabeth", concorreu ao Oscar de melhor atriz, perdendo para Gwyneth Paltrow, que interpretou a musa Viola de Lesseps, também em "Shakespeare Apaixonado".

O filme "Elizabeth" é uma epopéia histórica que descreve as intrigas internacionais e pessoais que rondaram o trono inglês no Século XVI, no reinado de Elizabeth I – conhecida como a "Rainha Virgem" (e era mesmo do signo de Virgem!). Elizabeth I é considerada até hoje o melhor regente entre os reis e rainhas da Inglaterra. Coroada entre o caos financeiro e civil do seu país, a única herdeira sobrevivente de Henrique VIII e Ana Bolena aprendeu logo que para sobreviver - política e pessoalmente - ela teria que matar ou morrer. Determinada a proteger a si própria e ao seu país a qualquer preço, Elizabeth I foi forçada a se transformar de uma inocente princesa na inconquistável "Rainha Virgem". Elizabeth I, a última dos Tudors, morreu aos setenta anos de idade, depois de um reinado próspero de quarenta e cinco anos.

No entanto, o que pouca gente sabe é que Elizabeth I tinha um astrólogo conselheiro e confidente - John Dee - também versado nas artes da alquimia e do ocultismo. Foi John Dee que escolheu o momento da sua coroação, aos 25 anos. O mapa da coroação escolhido por Dee é considerado por muitos estudiosos como o melhor trabalho de Astrologia Eletiva (ramo da Astrologia onde o astrólogo escolhe dia e hora para um acontecimento importante) que se tem notícia. De fato, esta eletiva de John Dee para Elizabeth I apresenta requintes de genialidade associados a um profundo conhecimento de astrologia e astronomia. Dee jogou com o mapa da Rainha, com o mapa da hora escolhida e ainda levou em conta circunstâncias astronômicas que envolviam os planetas protagonistas em ação. O resultado alcançado, aparentemente simples, decorreu também do acaso ter propiciado um dia onde tais possibilidades se apresentavam combinadas.

O mapa eletivo da "Coroação de Elizabeth I" pode ser comparado – no mundo do Xadrez – às célebres partidas de Paul Morphy, Raul Capablanca e Bobby Fischer: Dee arrisca num dia de Marte em oposição à Saturno, com Júpiter em quadratura a estes planetas na ponta de um T-Square. Por outro lado, fortalece posições de sustentação do mapa da futura rainha. Joga basicamente com Sol, Lua, Vênus e Júpiter para conseguir um resultado quase perfeito. No Xadrez equivaleria ao sacrifício da dama a fim de abrir caminho para um cheque-mate genial alguns lances após.

Portanto, a história de Elizabeth I é também o universo onde se desenvolverá o trabalho de um dos astrólogos mais criativos que existiram, numa época onde ainda não se conheciam os planetas transaturninos – Urano, Netuno e Plutão.

O REINADO DE ELIZABETH

Elizabeth I (também conhecida por Isabel I) nasceu em 07/09/1533. Com Sol em Virgem, Lua em Touro e Ascendente Capricórnio, os principais pontos do horóscopo da rainha encontram-se no elemento Terra. Embora tenha tido muitas propostas de casamento e namorado bastante, ela nunca casou nem teve filhos. A contraditória conjunção Saturno-Urano na Casa-7 certamente está por detrás deste fato.

Elizabeth I herdou um reino destroçado: a luta entre católicos e protestantes minara os pilares da sociedade inglesa; o tesouro real tinha sido sangrado pela antecessora, Maria I, filha de Henrique VIII e Catarina de Aragão, sua meia-irmã mais velha. Uma vez entronada, Elizabeth I defendeu firmemente o trono inglês contra a política da França e de Espanha. Soube jogar com ambas as potências, colocá-las em confrontação, e quando conseguiu que o país atingisse uma posição firme arriscou-se a declarar abertamente guerra à Espanha.

Seu equilíbrio diplomático era reflexo de um equilíbrio interno religioso. Evitando igualmente o protestantismo apaixonado do reinado de Eduardo VI e o catolicismo conservador que sua irmã Maria I tentara impor ao país, Elizabeth I estabeleceu uma igreja anglicana independente, que não devia obediência nem a Roma nem ao protestantismo extremista das Igrejas Luterana e Calvinista da Europa. A principal função dessa igreja era proteger a autoridade da Coroa. Auxiliada por ela, Elizabeth I alcançou um controle sem precedentes sobre o país.

As obras de Shakespeare e de contemporâneos seus, como Christopher Marlowe e Ben Jonson, tornaram este período a era mais gloriosa da literatura inglesa. O renascimento cultural da Inglaterra de Elizabeth I, assinalado por um grande incremento da educação e da erudição, concretizou-se no alargamento de horizontes, tanto geográficos como intelectuais, que se iniciara na Europa durante a Renascença, no século anterior.

O MAPA ELETIVO

Elizabeth subiu ao trono na morte da sua irmã Maria I, provavelmente de Câncer, em novembro de 1558. No rígido protocolo inglês, a coroação de um novo soberano segue-se à sua ascensão ao trono, depois de um intervalo apropriado. A cerimônia permanece essencialmente a mesma há mais de mil anos, ocorrendo por volta do meio-dia. Durante os últimos 900 anos, a coroação tem acontecido na Abadia de Westminster.

Elizabeth I tinha em John Dee um confidente íntimo e buscava seu conselho tanto em assuntos de Estado quanto pessoais. Toda saga do seu bem sucedido reinado iniciou-se com o trabalho eletivo de John Dee, que escolheu o momento de sua coroação.

Nicholas Campion, conhecido astrólogo inglês, comenta o mapa da coroação elaborado por John Dee:

"O horóscopo da coroação se preparou de tal forma que o mapa eletivo tivesse Vênus e Júpiter (os dois benéficos) e Sol e Lua (os Luminares), fazendo aspectos harmoniosos para o Sol, Vênus e Júpiter do mapa natal de Elizabeth I".

Campion se refere ao "jogo" elaborado por Dee, envolvendo o mapa eletivo e os planetas natais de Elizabeth I, em especial os luminares (Sol e Lua) e os benéficos (Júpiter e Vênus). Júpiter, no mapa de Elizabeth I, era o planeta que recebia os melhores aspectos no mapa da coroação. Acresce que no próprio mapa eletivo encontramos um harmonioso sextil entre Lua e Júpiter, formando uma magnífica base de sustentação para Júpiter natal da rainha inglesa.

Como requinte final, Dee conseguiu um esquema onde Júpiter e Vênus funcionam como "arautos" solares, um se pondo em seguida ao Sol (Júpiter) e outro nascendo imediatamente antes do Sol (Vênus).

Não foi à toa que a rainha conseguiu uma imensa ajuda dos meios religiosos e seu governo foi a época culturalmente mais profícua da Inglaterra. E também não foi por acaso que teve o melhor grupo de conselheiros em todos os setores do seu governo, incluindo o próprio John Dee, que ao longo de todo seu reinado sempre souberam lhe aconselhar sabiamente. Coisas de Júpiter.

JOHN DEE (1527–1608)

John Dee, filho de um cortesão de Henrique VIII, nasceu em 1527. Fez uma brilhante carreira em Cambridge, sendo tutor do Trinity College aos 19 anos e adjunto da cátedra de grego. Sua paixão pelas invenções mecânicas lhe levaram a construir para uma representação da obra de Aristófanes "Paz" um escaravelho voador mecânico tão real que lhe valeu a primeira das muitas acusações de bruxaria que recaíram sobre si ao longo da vida.

Nesta época, Dee já estava interessado em magia, alquimia e astrologia. O rei Eduardo VI, irmão de Elizabeth I, se converteu em seu protetor e a morte do jovem rei foi um duro golpe para Dee. Porém, a nova rainha, Maria I, outra irmã mais velha de Elizabeth, foi benevolente e encarregou-o de levantar seu horóscopo e o do seu prometido, Felipe de Espanha. Dee cumpriu o encargo, porém, com um agudo instinto político, manteve contatos com a irmã menor da rainha, a princesa Isabel (que viria a ser Elizabeth I), meio reclusa e obscura por então. Mas Dee foi demasiadamente indiscreto e revelou o horóscopo da rainha à sua irmã; a notícia chegou aos ouvidos da rainha que o mandou prender sob acusações de alta traição e heresia. Enquanto aguardava comparecer diante do tribunal, Dee presenciou a morte na fogueira de um companheiro seu, porém conseguiu salvar-se graças aos seus grandes conhecimentos das Escrituras Sagradas.

Quando em 1558 Elizabeth I subiu ao trono, mandou chamar a Dee, encarregando-lhe de escolher o dia mais propício à sua coroação. Assim este o fez, e durante anos gozou da amizade e confiança da rainha. John Aubrey escreveu naquela época sobre ele: "Era ruivo, de pele clara e rosada; a barba comprida e branca como o leite; alto, magro; um homem muito valente e uma excelente pessoa".

A rainha insistiu em que Dee vivesse o mais próximo possível do palácio. Quando Dee caía enfermo, ela enviava seus próprios médicos, e nos seus passeios a cavalo por Richmond Park, se detinha na casa de Dee para ver suas últimas invenções ou conversar sobre algum livro raro recém adquirido para sua biblioteca. Fora a proteção da rainha, John Dee tinha excelente reputação junto à aristocracia e classes populares.

Parece que a rainha também lhe confiava assuntos de Estado, pois Dee viajava muito para o estrangeiro, algumas vezes a encargo de Elizabeth I, e outras de Sir Francis Walsingham, o chefe do serviço secreto da rainha. O interesse de Dee por ocultismo era cada vez mais forte. Ele estava convencido de que podia converter os metais em ouro, que descobriria a pedra filosofal e o elixir da vida. Junto a um amigo, Edward Kelley (homem pouco digno de confiança, colérico e excêntrico, que uma vez assegurou que os anjos lhe haviam dito que ele e Dee deveriam ter tudo em comum, inclusive uma esposa), Dee falava com os espíritos.

John Dee passou grande parte do resto de sua vida viajando pela Europa, segundo opinião comum, como agente secreto da rainha. Mas o seu trabalho não foi de todo recompensado, porque na sua volta à Inglaterra a rainha parecia ter-lhe esquecido, e Dee morreu relativamente pobre.

Os historiadores seguem sem conhecer a devida importância dos seus primeiros conselhos astrológicos à rainha. Dee escreveu: "Se Sua Majestade está de alguma forma satisfeita com meus serviços, eu rogo graças a Deus Todo Poderoso".

O reinado de 45 anos de Elizabeth I é considerado um dos mais gloriosos da história inglesa. No entanto, a história sempre será incompleta se não for considerada a importância do astrólogo real - John Dee.

Artigo do informativo AstroNews, enviado por e-mail aos interessados, e produzido pelo Astro*Timing (Boletim Nº030 de 11/04/99).