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O POTENCIAL POSITIVO DE QUIRON:
CAMINHO DE EVOLUÇÃO E SABEDORIA

Dale O’Brien

Há inúmeras possibilidades das quais podemos nos valer para tentar entender o papel de Quiron na astrologia. A mitologia é um caminho; a localização celeste de Quiron e sua órbita é outro. Uma terceira alternativa é a exploração dos conceitos culturais que estavam em voga na ocasião da sua descoberta. Por ora, eu gostaria de enfocar a interpretação de Quiron recorrendo ao sentido expandido do mito. Mas eu também vou trazer algumas breves explanações a partir da sua posição celestial.

A prática mais comum na astrologia atual é colocar Quiron como o "curandeiro ferido", baseado numa passagem do mito. À luz deste conceito mitológico, a posição de Quiron no mapa astrológico torna-se vista como uma área onde a pessoa é literal ou simbolicamente ferida. Embora se possa obter significativos insights através da exploração dessa abordagem, muito freqüentemente o cliente pode deduzir que trata-se de uma debilidade sem esperança à mera menção da palavra "ferida". Esta perspectiva é lamentável, já que desnecessariamente limita o potencial humano da pessoa em nome da astrologia. Também distorce o mito tremendamente afirmativo sobre a vida de Quiron. A história mais completa sobre Quiron nos fala de evolução positiva com o triunfo sobre a adversidade.

A NATUREZA MÍTICA DE QUÍRON
Quando examinamos a mitologia de um personagem como Quiron, é importante considerar que a sua história encontra-se disseminada em pedaços, ao longo dos contos de outros seres mitológicos. Também deve-se levar em conta que alguns dos elementos da história de Quiron mencionados aqui podem diferir de outras versões do mito. O resumo breve do mito que se segue está baseado no que mais freqüentemente é mencionado, que são componentes comuns da vida de Quiron na mitologia grega. Infelizmente, visando economizar espaço para o enfoque astrológico, uma abordagem mais colorida, dramática e detalhada da história de Quiron e dos contos envolvendo os heróis a ele relacionados, não pode ser contada aqui.

Quiron foi o primeiro centauro: humano da cintura para cima, eqüino da cintura para baixo. Ele era diferente de todos os outros centauros que eram mortais, e sem relação consangüínea com os mesmos. Dos outros centauros, só Pholus e Nessus são mencionados pelo nome e suas histórias são breves e sem inspiração. Os centauros restantes foram chamados de "centauros selvagens", simplesmente. Eles eram selvagens e violentos, propensos à embriaguez, ao estupro e à destruição - o oposto de Quiron em todos os sentidos possível, excluindo-se a forma física. Às vezes (de uma forma totalmente ilógica), é citado que Quiron era o rei dos centauros. Entretanto, nenhuma interação de Quiron com eles é mencionada para corroborar esta crença. Ao invés de ser o líder de uma quadrilha incontrolável de saqueadores, Quiron era um ser singular e notável.

O centauro mítico Quiron cresceu e desenvolveu-se cercado por uma inicial rejeição parental e discriminação familiar. Ele era o filho bastardo do deus grego imortal, Cronos, e de uma mortal, a ninfa do mar Filira; Zeus era o seu meio-irmão. O deus Apolo e a irmã dele, a deusa Artemis, era os tutores de Quiron. Por causa do treinamento singular e diversificado que recebeu, Quiron era considerado o mais ilustrado professor e médico de uma larga variedade de assuntos, incluindo de tudo, da lógica à música, passando das artes marciais ao conhecimento da natureza, como os usos das ervas. Ele também era descrito como o mais sábio de todos os seres.

A maior parte da longa e extraordinária vida de Quiron foi dedicada à instrução que ministrou a uma série de heróis, como Hércules e outros indivíduos notáveis, incluindo Orfeu e Asclépios. Orfeu tocava uma música tão encantadora que as feras selvagens vinham deitar-se aos seus pés, um feito aparentemente impossível. Asclépios tornou-se um grande curandeiro, a tal ponto que conseguia trazer de volta a vida de um morto.

Quiron viveu uma grande parte da sua vida como um monge solitário e morava na sua caverna no Monte Pélion, na região selvagem do norte da Grécia. Uma vez, durante sua longa vida, ele desposou uma ninfa das águas, Chariclo, e gerou uma filha, conhecida por vários nomes, inclusive Euippe. Chariclo ajudou Quiron a criar pelo menos dois futuros heróis, Jason e Aquiles.

Bem mais tarde na sua vida, Quiron e Hércules assistiam a um banquete de casamento. Os centauros selvagens resolveram perturbar o banquete, se embebedando em vinho e começado por seqüestrar e estuprar as mulheres. Hércules lutou com os centauros selvagens, matando-os com setas que Quiron tinha imergido em um veneno que mataria qualquer ser mortal. Porém, Quiron foi acidentalmente ferido por uma das setas. Por causa da sua linhagem imortal ele não morreu, mas devido ao seu sangue mortal, ele não era imune ao veneno. Então ele desenvolveu uma ferida incurável e um veneno no sangue que ninguém conseguia curar, nem mesmo ele próprio.

Esta ferida acidental conduziu, em última instância, ao sacrifício da sua imortalidade, com a sua descida para o mundo dos criminosos onde ele mudou de lugar com Prometeu. Depois de nove dias, Zeus elevou o seu meio-irmão Quiron do mundo dos criminosos e o transformou na constelação do Centauro. Zeus fez isto em reconhecimento às muitas realizações positivas de Quiron. "Desta posição elevada e visível - disse Zeus - Quiron poderá ser uma inspiração visível para toda humanidade".

IMPLICAÇÕES MITOLÓGICAS
Nota-se que o desenvolvimento de um modo geral positivo da história de Quiron, está em contraste marcante com os trágicos contos desalentadores de mitos de caráter similar, como os de Sísifo e Cassandra. A mitologia do pai voraz Cronos, do namorador Zeus, e do às vezes ignóbil Apolo, oferecem pouco para sugerir um caráter positivo. As histórias dos deuses gregos são freqüentemente tão apenas variações do abuso de posições de privilégio. Muitas vezes mais parecem contos tristes que focalizam futilidades ou perseguições.

O mito de Quiron é inovadoramente diferente. A história dele e as dos seus vários alunos nos mostram que nós podemos crescer acima das adversidades que trazemos para a vida e das circunstâncias difíceis que encontramos no caminho. A importância do aprendizado não é enfatizado como um fim em si mesmo, mas como a condição prévia para a ação apropriada. Até mesmo quando se confronta com situações opressivas, a pessoa pode se elevar a uma posição de grandeza, não apenas por si, mas para o bem dos outros também. Os heróis de Quiron tiveram sucesso onde outros haviam falhado. Quiron era a chave deles para um potencial mais elevado.

Tudo acontecia por um propósito no mito de Quiron e dos seus alunos, até mesmo essas coisas que à primeira vista pareciam sem sentido e cruéis. As peças do quebra-cabeça acabavam se unindo no momento certo e no lugar certo.

Estas implicações mitológicas positivas aparecem freqüentemente na trama do tempo e das circunstâncias, através de situações de auto-engrandecimento, quando os trânsitos de Quiron ou para o Quiron natal estão atuando. Eu observei isto no curso das minhas pesquisas sobre Quiron, envolvendo mais de 1.200 mapas natais precisos. Durante os anos mais recentes na minha atuação como consultor astrológico os clientes vêm compartilhando comigo um saldo bastante positivo das histórias envolvendo Quiron nos seus mapas.

Certos trânsitos críticos de Quiron, aliados a certos trânsitos críticos para Quiron natal, indicam quando e como um indivíduo é desafiado a crescer sobre a adversidade ou mediocridade que cercam a sua vida e a perceber um destino maior envolvendo-o. Por exemplo, o Dalai Lama foi premiado com o Prêmio Nobel da Paz quando Quiron em trânsito estava em conjunção ao Sol dele, em Câncer. Ele poderia ter humildemente aceitado a honra e então meramente voltado à sua existência não-mundana. Recusar o prêmio também era uma outra opção. Num outro nível, reconheceu que um desafio estava sendo feito ao seu ego canceriano não propenso a grandes atenções. Porém, aquele desafio era excedido em valor pela oportunidade que veio com a aceitação do prêmio: "Se eu gosto disto ou não, eu estou neste planeta, e é bem melhor fazer algo para a humanidade" disse o 14º Dalai Lama. Dentro daquele espírito, ele não só aceitou o prêmio, mas também tornou-se uma presença mundana mais visível como líder espiritual e como uma lembrança permanente para os líderes e cidadãos do mundo ocidental sobre o mau trato do governo chinês ao povo do Tibete.

Obviamente nem todo mundo que tiver Quiron em trânsito de conjunção ao Sol será convidado para receber o Prêmio Nobel. O que uma determinada pessoa terá em comum com as circunstâncias que envolveram o Dalai Lama será um desafio diferente para si, consoante com seu próprio universo e importância individual. Alguém com exaltação de ego pode ter alguma experiência de humilhação, como uma enfermidade ou a perda de um trabalho, para citar apenas duas possibilidades. (A posição do Sol da pessoa segundo a casa, aspectos e outros fatores, podem sugerir o modelo provável de expressão do trânsito).

Por outro lado, uma pessoa com baixo senso de importância pessoal, poderia ter alguém importante para si - o pai, por exemplo - sofrendo uma enfermidade ou algum revés humilhante. Essa pessoa provavelmente ficará entristecida pelas dificuldades da pessoa querida. Porém, o desafio sob um aspecto de Quiron em trânsito ao Sol é tentar evitar deixar-se levar pela tristeza e desesperança. Isto é particularmente importante para o indivíduo que até aquele momento teve a tendência a ter o princípio solar vivenciado através de outra pessoa. Negativamente trabalhado, isto seria um momento em que uma pessoa fraca se sente ainda mais insegura no nível do ego. Apesar das melhores intenções que possa ter, a observação mais prejudicial que o astrólogo poderia fazer neste momento a um cliente deste tipo seria a lembrança da sua fraqueza.

A alternativa positiva seria colocar as coisas numa perspectiva diferente. A "Oração da Serenidade" (veja abaixo) é talvez uma das formas mais sucintas de trazer uma perspectiva positiva de Quiron para a vida. Dentro do espírito enlevado e positivo de uma oração, o que é que uma pessoa não consegue mudar na sua vida? Normalmente isto pode se vincular ao que aconteceu a outros, como uma enfermidade terminal no pai da pessoa, por exemplo. Mas nestes casos, quais são as coisas que o indivíduo pode mudar? O que pode fazer para reinventar a expressão do seu ego?

Em vez de permitir que as adversidades nas vidas de outros não se tornem uma desculpa para não viver sua própria vida, uma expressão mais confiante no seu próprio ego solar é o caminho a ser buscado pela pessoa. Em lugar de cancelar a peça teatral da sua própria vida, o indivíduo deve afirmar que "A vida se vai, mas o show deve continuar" e dedicar seu desempenho em honra do pai ferido pelo câncer terminal.

Da mesma maneira que Quiron reconhecia o potencial maior de um jovem órfão, que viria depois a ser um rei, ou alguém notável por outra forma, assim o faz o trânsito de Quiron para o Sol, correspondendo a uma oportunidade para o desenvolvimento do ego, apesar de - ou talvez por causa de - mudanças na realidade familiar da pessoa.

PARA MUITO ALÉM DO SOL
Reconhecer o momento em que uma pessoa pode desenvolver mais o seu potencial não é uma questão restringida pelo tipo de aspecto que Quiron forma ao Sol. Qualquer trânsito de ou para Quiron, corretamente compreendido, pode indicar o potencial para evolução pessoal positiva. Observe que os processos de Quiron são normalmente sutis e evolucionários, e não se dão usualmente da forma revolucionária ligada às mudanças extremas e radicais associadas a Urano. Urano pode apreciar violar as regras e limites de Saturno, mas Quiron não faz isso.

Astronomicamente, Quiron geralmente é encontrado além da órbita de Saturno, no trans-saturnino reino dos planetas exteriores. Porém, a proximidade de Quiron para a órbita de Saturno, e mais o fato de que ocasionalmente penetra dentro da órbita de Saturno, nos fala que Quiron é literal e simbolicamente a ponte entre o mundo transpessoal e a nossa realidade concreta. Movendo-se para além do saturnino reino da realidade consensual, nós o encontramos numa posição onde estas alternativas são consideradas.

Entre a imutável e familiar estrada principal trilhada por Saturno, e a estrada de Urano onde nada é sempre o mesmo, eis a via Quiron, uma estrada menos viajada. Esta estrada pode parecer por vezes que nos leva para longe de onde nós pensamos que deveríamos ir, mas isso não precisa produzir um rastro de lágrimas. Este caminho pode nos fazer lembrar de nossa sabedoria quase esquecida, e ainda, no final, também pode ser nosso caminho para o nosso destino e para um propósito especial na vida. É uma boa estrada a ser percorrida e conhecida.

A ORAÇÃO DA SERENIDADE
A Oração da Serenidade é talvez a afirmação mais sucinta para uma perspectiva positiva de Quiron na vida. Coloco o planeta associado a cada frase entre parêntesis:

"Senhor, me conceda a Coragem para mudar
as coisas que eu posso mudar, (Urano)
A Serenidade para aceitar
as coisas que eu não posso mudar, (Saturno)
E a Sabedoria para saber discernir a diferença". (Quiron)

Observe que a órbita de Quiron se encontra entre os caminhos de Saturno e Urano.