Artigos

NOSSOS AMIGOS ANIMAIS
SERÁ QUE O ANIMAL NÃO HUMANO É CAPAZ DE SENTIR DOR?

Chara e Ananda

Ao nos depararmos com a terrível realidade da devastação da natureza e do holocausto animal em nosso planeta, na maioria das vezes não temos idéia dos conceitos que se escondem por trás da relação doentia do ser humano com outras formas de vida. Daí a importância de buscarmos compreender as raízes de ações tão agressivas e desrespeitosas para com a vida.
O texto abaixo pode nos ajudar em nossa reflexão e é parte do seminário realizado em setembro de 2006 pelo defensor da causa animal José Antônio Pereira Machado no curso de Bioética da Fiocruz com o tema: "Sofrimento e alienação: a não reflexão do homem sobre o direito ou não de causar dor ou morte aos animais sencientes"

PARTE1:
SERÁ QUE O ANIMAL NÃO HUMANO É CAPAZ DE SENTIR DOR?

Pode até parecer incrível, mas existem pessoas que defendem a tese de que os animais não-humanos são incapazes de sentir dor ou ter qualquer tipo de sofrimento, então, se vamos questionar o direito ou não do Homem em causar dor ou morte aos animais sencientes, logo, tornar-se-á pré-requisito para essa questão, que o animal não humano realmente seja capaz de sentir dor.

Segundo Peter Singer, existem três razões para se acreditar que os animais não-humanos sentem dor: o comportamento, a natureza dos seus sistemas nervosos e a utilidade da dor.

"Os animais não humanos sentem dor? Como sabemos? Bem, como vamos saber se alguém, humano ou não humano, sente dor? Sabemos que nós próprios sentimos dor. Sabemos isso pela experiência direta da dor que temos quando, por exemplo, alguém nos queima a mão com um cigarro aceso. Mas como sabemos que os outros sentem dor? Não podemos experimentar diretamente a dor do outro, quer esse outro seja o nosso melhor amigo ou um cão vadio. A dor é um estado da consciência um "acontecimento mental" e, como tal, nunca poderá ser observado. As contorções, os gritos ou o afastamento da mão do cigarro aceso são comportamentos que não constituem a dor em si; nem o constituem os registros de atividade cerebral que um neurologista poderá efetuar nas observações cerebrais da própria dor. A dor é algo que se sente, e só é possível inferir que os outros a sentem através da observação de várias indicações externas.

Em teoria, podemos sempre estar errados quando assumimos que os outros seres humanos sentem dor...

Praticamente todos os sinais exteriores que nos levam a inferir a existência de dor nos outros humanos podem ser observados nas outras espécies, em especial nas mais proximamente relacionadas conosco - mamíferos e aves. Os sinais comportamentais incluem contorções corporais, contorções faciais, gemidos, ganidos e outras formas de gritos, tentativas de evitar a fonte causadora da dor, demonstração de medo perante a possibilidade da sua repetição, etc. Além disso, sabemos que estes animais têm sistemas nervosos muito semelhantes ao nosso, que reagem fisiologicamente como o nosso quando o animal se encontra em circunstâncias nas quais nós sentiríamos dor: um aumento inicial da pressão arterial, as pupilas se dilatam, transpiração, aceleração do pulso e, caso o estímulo continue, uma queda da pressão arterial...Esses impulsos, emoções e sensações situam-se no diencéfalo, que se encontra bem desenvolvido em muitas outras espécies, em particular nos mamíferos e aves.

O sistema nervoso dos animais, qual o nosso foi produto da evolução ... A capacidade de sentir dor aumenta obviamente as possibilidades de sobrevivência de uma espécie, uma vez que permite que os membros dessa espécie evitem as fontes de danos físicos ... seria pouco razoável supor que sistemas nervosos virtualmente semelhantes do ponto de vista fisiológico, que têm uma origem comum e uma função evolutiva comum, e que resultam de comportamento semelhantes, em circunstâncias semelhantes devam operar de maneira inteiramente diversa no nível dos sentimentos subjetivos.

Os sinais básicos que usamos para comunicar a dor, o medo, a raiva, o amor, a alegria, a surpresa, a excitação sexual e muitos outros estados emocionais não são específicos de nossa espécie. A declaração "estou sentindo dor" pode ser uma prova concludente de que o falante está sofrendo uma dor, mas esta não é a única prova possível, e nem sequer a melhor, visto que às vezes as pessoas mentem.

Os recém nascidos e os bebês são incapazes de usar a linguagem. Vamos negar o fato de que uma criança humana possa sofrer?

Os répteis e os peixes têm sistemas nervosos que diferem dos mamíferos em aspectos importantes, mas partilham a estrutura básica das vias nervosas organizadas centralmente. Os peixes e os répteis revelam a maior parte dos aspectos comportamentais dos mamíferos no que toca a dor. Na maioria das espécies existe mesmo vocalização, embora esta não nos seja audível. Os peixes, por exemplo, emitem sons vibratórios, tendo sido já identificados diferentes chamamentos pelos investigadores, incluindo sinais que exprimem alarme e irritação. Os peixes também evidenciam sinais de angústia quando são retirados da água e são deixados a saltar na rede ou sobre a terra, até morrerem.

"Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para desprezar esse sofrimento ou para recusar considerá-lo de forma igual ao sofrimento de qualquer outro ser".
(SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. Via Óptima)

Assim concluímos, com base nos pontos levantados, que a teoria de que os animais não humanos são incapazes de sentir dor não passa de um pretexto para atitudes especistas por parte dos humanos. Essa teoria não se fundamenta em nenhuma razão satisfatória e não pode sequer ser justificada através de explicações racionais ou científicas. Pelo contrário, a ciência cada vez mais se aproxima de comprovar a capacidade de sentir dor dos animais não humanos. Ficamos então com a reflexão, nas palavras do Dr. Louis J. Camuti: "Jamais creia que os animais sofrem menos que os humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos."