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A CULTURA RENASCENTISTA E A ASTROLOGIA

Helyom

Segundo Jean Delumeau (1984), é impossível compreender o Renascimento sem considerar o importante papel desempenhado nele pela astrologia. Nos três capítulos de sua obra dedicados ao problema, Keith Thomas (1991) demonstra como, ainda no século XVI, a "astrologia fazia parte da imagem que o homem culto tinha do universo e do seu funcionamento". Acreditava-se que os quatro elementos constitutivos da região sublunar permutavam-se incessantemente sob a influência do movimento dos corpos celestiais originando os diferentes metais. As mudanças físicas seriam decorrentes da interação entre o movimento dos astros e os eventos terrenos, correspondência essa responsável pela manutenção da coesão do universo. O conhecimento astrológico era, assim, indispensável para o domínio da fisiologia e medicina, botânica e metalurgia, psicologia e etnografia. Era, enfim, indispensável ao domínio de qualquer uma das ciências conhecidas na época. Ao contrário do que se possa pensar, essa crença não estava restrita a círculos intelectuais fechados, mas difundida amplamente entre a população, ao ponto de poder-se afirmar que "...antes do século XVII, o ceticismo sobre a doutrina astrológica era altamente excepcional na Europa.". Para esse estado de coisas, contribuiu consideravelmente a invenção e expansão da imprensa, e de um gênero literário particular: os almanaques, pequenos livros de bolso que difundiram o conhecimento astrológico, retirando-o do restrito círculo dos cortesãos medievais. Desse modo, a presença e a importância da astrologia no Renascimento, foram ainda maiores do que na própria Idade Média. Mas, efetivamente, que práticas eram constitutivas desse saber?...

Essa astrologia, como doutrina, ainda era basicamente a mesma da época de Ptolomeu. Haviam, no entanto, quatro ramos ou atividades principais exercidas pelos astrólogos: as previsões gerais que, baseadas em eclipses ou conjunções, diziam respeito a eventos que interessavam a toda comunidade, como as condições do clima, as colheitas, epidemias, a mortalidade e a guerra; as nativitties, mapas pessoais de um indivíduo; as eleições, escolha do momento mais correto para empreender uma determinada ações como viagens, casamentos, ou mesmo atividades ligas à higiene, como tomar banho; as questões horárias, prática desenvolvida pelos árabes após Ptolomeu, utilizada para solucionar questões pessoais ou enfermidades, tomando por base referenciais celestes correlacionados com o surgimento dessas perguntas, ou com o horário em que a consulta era feita.

Os almanaques que difundiam o discurso astrológico foram um dos primeiros grandes sucessos mercadológicos da história da imprensa. Na Inglaterra, durante o século XVII, estima-se que tenham circulado mais de 2.000. Continham as previsões astronômicas, o calendário (com as festas religiosas) e o prognóstico astrológico, propriamente dito. Nesse mesma século, passaram a servir como veículo publicitário, contendo propaganda de livros, remédios e professores de matemática. Eram extremamente utilizados como agendas e cadernos de anotações. Devido ao seu caráter nitidamente comercial, eram produzidos de acordo com as necessidades de cidades específicas - mesmo as pequenas - e das profissões e mesmo preferências políticas dos leitores. Guias para a ação diária, sua força motriz estava na "crença no significado das mudanças de fases da Lua", crença predominante, sobretudo, no meio rural.

Essa difusão da astrologia, iniciada ainda na Idade Média, foi, segundo Delumeau, originada pela tradução espanhola, no Século XIII, de um manual de origem árabe datado do Século X, contendo simbologia helenística e oriental: o Picatrix. Nele, falava-se da ciência das estrelas, associava-se espíritos e planetas, indicando as formas de invocá-los e conseguir suas benesses. Apesar de todo seu esforço, a Igreja nunca conseguiu expulsar a astrologia da civilização cristã e ambas coexistiram juntas todo o tempo. O próprio São Tomás de Aquino admitia que a determinação das características físicas dos indivíduos relacionava-se aos planetas. Somente com as descobertas astronômicas realizadas nos 150 anos que vão de Copérnico a Newton, descobertas essas que implodiram o sistema ptolomaico, a astrologia perderia o seu papel de simbolismo universal, separando-se da astronomia e cristalizando-se num sistema isolado, de menor força cultural ou expressão social.