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RIO DE JANEIRO: A CIDADE QUE PERDEU O UMBIGO

Otávio Azevedo

"O Rio é o único lugar do mundo que destruiu o seu berço"

Mílton Teixeira, historiador.

Em Março, a "Cidade Maravilhosa" completa mais um aniversário. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada às pressas por Estácio de Sá, em Primeiro de Março de 1565, no Morro Cara de Cão. Convém observar que se fôssemos comemorar corretamente o aniversário do Rio de Janeiro, teríamos que fazê-lo a 11 de Março, que corresponde hoje ao 1o de Março daquela época, em função da mudança para o Calendário Gregoriano. Com o Sol a 20o de Peixes, o Rio é mesmo de 11 de Março.

Dois anos depois, aquele núcleo inicial mudou-se por inteiro para o Morro do Castelo, já que o Cara de Cão não tinha condições de abrigar muita gente. A mudança destes primeiros habitantes (600 pessoas) para o Morro do Castelo, em 1567, não se deu, no entanto, ao acaso. Por razões de segurança, os portugueses tinham o costume de construir vilarejos em pontos elevados, e do Morro do Castelo tinha-se uma visão privilegiada de uma boa parte da Baía de Guanabara e da área plana da cidade, facilitando assim a defesa da região contra possíveis invasões. Além disso, o morro era cercado por lagoas e manguezais, que dificultavam um ataque. Outro ponto a considerar é que a montanha era uma espécie de escudo natural contra os Tamoios, índios pouco dóceis e nada simpáticos aos portugueses, e que tinham medo de colinas, associando-as a coisas demoníacas. Finalmente, havia ainda outra vantagem: a inclinação do morro favorecia o escoamento dos detritos; desta forma, jogava-se o lixo na rua e a chuva tratava de levá-lo encosta abaixo. Foi assim, levada para as alturas, que nasceu e irradiou-se a cidade.

No mapa astrológico do Rio de Janeiro, este início do alto de um morro está simbolizado pelo "stellium" no signo de Peixes: temos Lua, Plutão, Sol e Mercúrio neste signo, culminando em conjunção ao Meio-Céu, no "alto" do mapa. Destes planetas, o mais elevado é Plutão, que indica para a cidade um poder, uma força emergindo no alto ou nas alturas. Mais tarde, este símbolo também viria a ser encontrado na figura do Cristo Redentor - bastante adequado a Peixes - cuja imagem se ergue de braços abertos abençoando a cidade, simbolizando um poder espiritual ou religioso emanando lá do alto. No entanto, o mesmo Plutão culminando em Peixes também indica o poder que nasceu e grassou no alto dos morros, nas favelas, diretamente relacionados ao tráfico de drogas, outra possibilidade relacionada a Peixes. Além disso, pelo fato do Meio-Céu de uma cidade relacionar-se ao governo, esta posição indica a dificuldade das autoridades e governos em impor-se ao submundo e à corrupção.

Existe uma outra posição no mapa astrológico da cidade relacionada ao Morro do Castelo: é a presença de Saturno (morro) em Leão (castelo). Na astrologia, entre uma miríade de possibilidades, Saturno relaciona-se aos morros e montanhas, ou seja, às grandes massas sólidas. Analogamente, simboliza todos os limites e mecanismos de proteção. A capacidade de fazer impor a lei e o respeito está diretamente ligada à posição de Saturno num mapa astrológico. E o Morro do Castelo, berço da cidade, escolhido por questões de segurança, não poderia ser um símbolo mais expressivo da capacidade da cidade em fazer valer a lei e os limites. Era uma espécie de "morro vigilante", nosso cão de guarda. Assim, a segurança e firmeza da cidade foram depositadas, simbolicamente, no Morro do Castelo, cujo centro encontrava-se onde hoje é a região entre as avenidas Rio Branco e Antônio Carlos.

Símbolos são de extrema importância, e é graças ao seu poder que se formam e sustentam tradições. Eles desempenham um papel fundamental no modelo de vida de um indivíduo ou de uma cidade. O padrão simbólico incorporado por uma entidade qualquer é apontado no seu mapa astrológico, adquirindo vida e manifestando-se plenamente na sua existência. Neste sentido, o Morro do Castelo era o nosso anjo guardião, que protegia e vigiava a cidade. Era o nosso símbolo de defesa, que foi lançado abaixo em 1922 ao ser demolido. Como era de se esperar com tanta ênfase no signo de Peixes, havia algo em falso no nosso símbolo de segurança; não havia uma firmeza. Talvez seja por isso que este símbolo foi arrasado com a conivência do próprio povo, retirando-se da cidade o motivo original que a havia criado: a necessidade de defesa e segurança.

Já nos primeiros anos deste século, a imprensa e a população rejeitavam o local, degradado pela proliferação de cortiços e habitado basicamente por malandros, desocupados e pescadores - atividades associadas a Peixes - que residiam lá no alto (Meio-Céu). A má fama do lugar (Peixes - escândalos) pôde ser comprovada em diversas publicações da época, como dizia a revista "Eu Sei Tudo": "O Morro do Castelo, dentro da cidade, no coração da capital, é um exílio, um bairro de miséria...". Antes disso, a parte nobre da população já havia descido sua encosta para morar na esplanada embaixo. A campanha para a demolição do morro foi intensa, e de nada adiantou sua importância histórica. O povo até apoiou a extirpação do umbigo da cidade, a base inicial donde tudo surgiu.

Era 1922, ano do "Centenário da Independência do Brasil" e, sendo o Rio a capital da república, aqui deveriam se desenvolver as principais festividades comemorativas do centenário da nação. Também, era o "Ano da Modernidade", sob os auspícios da "Semana de Arte Moderna" que aqui se realizava e pretendia marcar uma nova etapa futurista nas artes. Este espírito modernista pairava no ar. Urano em trânsito passava sobre o "stellium" em Peixes, especialmente sobre Lua, chegando próximo a Plutão e ao Meio-Céu do mapa astrológico da cidade. O Sol progredido deste mesmo mapa estava no 12o grau de Peixes, numa quadratura exata a Urano radical... Doses concentradas de Urano, planeta que marca o modernismo e traz novos ventos, mas que, para isso, muitas vezes destrói estruturas e símbolos de segurança.

Sob diversas alegações, o prefeito do Distrito Federal, o engenheiro Carlos Sampaio, decretou o fim do morro. Justificativas para a destruição não faltaram. Além da necessidade de um amplo espaço para abrigar a exposição comemorativa do "Centenário da Independência", outra razão para pôr abaixo a colina, esta mais técnica, era a de que o morro prejudicava a ventilação da área central da cidade... Ambos os motivos relacionados a Urano: a festa pela independência e o desejo de mais ventos circulando pela cidade.

Foi assim que, no "Ano da Modernidade", foi empregada uma moderna técnica de demolição com jatos de água (Urano em Peixes), que baniu da paisagem da cidade o Morro do Castelo, arrancando o umbigo do Rio de Janeiro. Ali, começava a morrer também, de forma simbólica, a capacidade da cidade se impor. Anos adiante perdeu o status de capital do país. Depois foi levada indiretamente a um desvantajoso processo de fusão com o resto do Estado do Rio de Janeiro. E gradativamente foi se alastrando uma fraqueza de comando, de autoridade e da capacidade de impor o respeito às leis.

O Rio de Janeiro é uma cidade incomparável: bela, bonita, maravilhosa, mas sem umbigo. É do signo de Peixes. Seu Ascendente Gêmeos reflete o jeito comunicativo e alegre do povo, às vezes um pouco malandro, tão pitoresco e admirado em outros locais. Walt Disney criou o personagem "Zé Carioca", um papagaio malandro (Gêmeos), que reflete esse espírito do povo do Rio de Janeiro. A constelação de quatro planetas em Peixes no Meio-Céu mostra que a cidade nasceu para aparecer, e o apelido de "Cidade Maravilhosa" adapta-se perfeitamente ao simbolismo deste signo. Este "stellium" em Peixes mostra também por que a cidade ficou famosa por suas praias e recantos paradisíacos. Poderíamos associar vários símbolos importantes da cidade ao seu mapa astrológico, como o Pão de Açúcar, cujo bondinho correndo ao alto com vista para o mar está refletido por Mercúrio em Peixes, também culminando lá em cima no mapa. Da mesma forma, a cirurgia no umbigo da cidade estava também apontada no seu mapa astrológico, através da oposição de Marte em Aquário (Casa-8, das cirurgias e extirpações) em oposição a Saturno em Leão (Casas-2/3, dos valores, segurança e comunicação). Como Marte está situado em Aquário - símbolo de modernidade, regido por Urano - a cirurgia deu-se no "Ano da Modernidade", como vimos, por questões relacionadas a independência e novos ventos... Foi assim que a cidade perdeu o seu passado.

O que é de se lamentar é que a "cirurgia" tenha sido feita com a anuência do seu próprio povo. A visão materialista e vanguardista de uma cidade arrancou suas raízes e ninguém se levantou contra. O Rio de Janeiro de hoje, muitas vezes acuado pela falta de energia no combate à criminalidade, reflete este "pecado" do início do século, o nosso "pecado original". A cidade preserva todos os outros símbolos de beleza e de prazer que seu povo sabe tão bem desfrutar, mas perdeu o único que representava segurança e autoridade. Das nossas origens, resta apenas o desprezado morro Cara de Cão. Lá, onde a cidade deu seu primeiro suspiro, prolifera hoje um denso matagal.

O Rio precisa reencontrar uma referência de segurança para voltar a crescer com dignidade. Numa cidade que por vezes parece ter perdido a vergonha na cara, o Cara de Cão talvez seja uma solução. De qualquer forma, precisamos ter de volta algum símbolo que restaure nossas raízes e nos devolva o senso de segurança. Precisamos resgatar a alma do Morro do Castelo e encontrar um outro ponto - forte, seguro, simbólico - que propicie a sua reencarnação.

COINCIDÊNCIAS CARIOCAS...

As coincidências que interligam pessoas, cidades, países e acontecimentos, nunca são simples acasos. A astrologia constata este fato através da técnica denominada de Sinastria, que trata da comparação de mapas astrológicos verificando suas interligações. Quando se estudam as relações significativas ocorridas entre pessoas, ou entre uma pessoa e uma cidade, ou com uma entidade qualquer, sempre iremos encontrar uma "rede de atração", que atua desencadeando efeitos de uma determinada qualidade. Isto é especialmente válido para se verificar as possibilidades de um governante nos caminhos que imprimirá a uma cidade, estado ou país.

No caso da cidade do Rio de Janeiro, a imagem de uma certa fraqueza na manutenção das leis é, inegavelmente, um fato antigo. Mas também não se pode negar que os "anos Brizola", onde o ex-governador e prefeito esteve de alguma forma envolvido no poder da cidade, foram marcantes quanto à redução da autoridade no combate à criminalidade. É notável o fato de que algumas vezes o ex-governador interviu no sentido de impedir a atuação do exército, das forças armadas e até mesmo da polícia, em casos que demandavam a defesa da lei, como se fosse partidário ardoroso do laissez-faire, especialmente na área de segurança pública. De certa forma, Brizola parecia incorporar o mesmo espírito que demoliu o símbolo de segurança e proteção da cidade no início do século.

Outra relação interessante de Brizola com a cidade é que ele não tem raízes no Rio de janeiro: não nasceu no Rio e nem quando governou aferrou laços com a cidade. Brizola nasceu no sul e para lá voltava sempre que podia ... Mas foi eleito por uma cidade que destruiu o próprio berço e, portanto, já demonstrara largamente que não liga muito para raízes.

Finalmente, Brizola foi adotado pela população como esperança de renovação, de "novos ventos". Não é à toa que seu nome sugere "brisa", e este trocadilho acabou sendo um mote da sua campanha... Com tudo isso, Brizola trazia o espírito de 1922, é claro, porque nasceu em 1922. Proporcionou à cidade reviver a mesma epopéia daquele ano célebre. E, lhe sendo dada a opção de escolher, o carioca mais uma vez optou pela renovação, pelos "novos ventos"... E mais uma vez derrubou o morro, escolhendo Brizola. Talvez seja sempre assim.

Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922, em Carazinho, no Rio Grande do Sul. É de Aquário, signo regido por Urano. Brizola incorpora, portanto, as qualidades e defeitos deste planeta. Na análise do seu mapa astrológico comparado com o mapa do Rio de Janeiro, vemos a "conspiração astrológica" que levou à derrubada do Morro do Castelo, especialmente a posição de Urano em Peixes que naquele ano transitava sobre a Lua. Mas é esta posição que indica também a possibilidade de "novos ventos", que passam a correr com a derrubada do morro. E a população que o elegeu ou aos seus correligionários, seguidas vezes, fundamentalmente ansiava por "novos ventos". Brizola traz isso, talvez em demasia, mas "por questões meramente técnicas, para que novos ventos possam circular é preciso derrubar o morro".

Quando veio tentar a sua eleição no Rio de Janeiro, Brizola bateu na porta certa. Por si e pela cidade. No mapa astrológico do Rio de Janeiro temos Urano em Sagitário na Casa-7 - no signo relacionado aos "estrangeiros" e no setor ligado aos "casamentos" - e, assim, não é de se admirar que Brizola é aquele que veio de longe - do sul ou do exílio no exterior, não importa - para, uma vez "casado" com a cidade, imprimir a mais pura ação uraniana sobre a mesma. O único problema é que onde há muito vento, há pouco morro. Liberdade e limites, o velho e eterno dilema: quase sempre onde um excede, o outro falta.

Enquanto isso, o Rio de Janeiro continua lindo...

Dados históricos baseados no artigo de Sérgio Garcia: "Onde Tudo Começou: Morro do Castelo", para o Jornal do Brasil.