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CRISES E DESAFIOS CÍCLICOS:
A OPORTUNIDADE OCULTA NA DOR

Otávio Azevedo

A palavra crise, em chinês compõe-se de dois ideogramas que significam: perigo e oportunidade. Dentro desta proposta, a astrologia nos provém com uma rica gama de simbolismos, onde podemos, através dos aspectos planetários, perscrutar estes momentos de crise na nossa vida. Os aspectos difíceis como a quadratura, a oposição e a conjunção, entre outros, freqüentemente estão atuando nestes momentos, quando estamos diante do ‘perigo’, mas também da oportunidade. Também devemos considerar que existem crises menores e crises maiores na vida, e algumas destas crises são comuns a todas as pessoas, ocorrendo numa determinada faixa etária. São as crises relacionadas aos ciclos planetários.

De um modo geral, considero o grau de uma crise - menor ou maior - relacionado ao nível do campo de experiência afetado: físico (ou material), emocional, mental, conceitual e espiritual. O estudo e trabalho com a astrologia mostram que as crises relacionadas aos nossos planetas mais pessoais - Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno - geralmente estão relacionadas aos três primeiros tipos de crises; já os momentos da vida fortemente afetados pelos três planetas transpessoais, de Urano a Plutão (poder-se-ia incluir aí também Quiron, como uma ponte) estão relacionados principalmente às crises de caráter conceitual e espiritual. Deve-se observar que o níveis mais sutis influenciam de forma marcante os níveis mais densos, mas a recíproca pode não ser uma regra. Por exemplo, uma crise conceitual ou espiritual pode trazer conseqüências nos mundos material, emocional e mental. Mas uma crise material (financeira ou na saúde, por exemplo) não conduz necessariamente à mudança de conceitos ou no campo da espiritualidade, se bem que por vezes isto acontece. No entanto, a uma observação apurada, sempre todos os níveis de experiência estarão envolvidos nas crises, tornando estes momentos um profundo mergulho em nosso interior, na tentativa de sacar talentos e recursos, muitos dos quais desconhecíamos possuir. Esta é uma das grandes dádivas das crises, que nos colocam freqüentemente diante das oportunidades.

Quando penso no conceito chinês de crise - perigo e oportunidade - vejo que há uma grande sabedoria implícita aí. De vez em quando precisamos correr ‘perigos’. É a noção exata de estarmos em ‘perigo’ que muitas vezes nos obriga a decisão. Além do mais, todo movimento evolucionário está associado à quebra de padrões, ao alcance de algo incomum, à transposição do status quo. Isso é o que se pode ter como conseqüência das crises e das decisões que tomamos na vida.

Sob a ótica astrológica, além dos trânsitos e progressões envolvidos em aspectos tensos, devemos considerar certas épocas que se repetem ciclicamente no período de nossas vidas, obedecendo à relação do movimento dos planetas com suas posições originais no mapa natal. São os chamados ciclos astrológicos.

Alguns ciclos são grandes quanto ao tempo de recorrência e outros são pequenos. Alguns têm um efeito diário, outros a duração aproximada de um mês, de uma estação ou de um ano. E temos também ciclos que se estendem por décadas. Quando analisados à luz da natureza e dos movimentos socioculturais, iremos também encontrar ciclos que se repetem em séculos e até em milhares de anos. Todos, porém, estão entrelaçados na trama do tempo, numa fusão única e identificável conhecida como agora. Agora é o presente eterno, o instante perpetuamente móvel que foi iniciado no começo dos tempos, quando o processo cósmico de Criação e Evolução foi posto em movimento. O agora é a única realidade. E é no agora que temos que reconhecer o ‘perigo’ e tomar nossas decisões. Por mais que nossas crises nos façam identificar motivos no passado ou no futuro, trata-se de um movimento presente, e que precisa ser reconhecido para que se possa extrair daí suas grandes possibilidades.

Todos temos períodos críticos em nossas vidas. Certas crises estão relacionadas ao próprio processo de desenvolvimento, às sucessivas iniciações do ser em novas etapas da vida. Entre as crises de desenvolvimento, a primeira é o nascimento, ou crise do Ascendente, onde há o imenso esforço e choque de ser transferido totalmente para o mundo físico. A crise lunar ocorre no ponto de transição entre a primeira infância e a meninice, quando a pessoa se desprende de sua mãe pela primeira vez e começa a relacionar-se com outras crianças, algumas vezes tendo que ir para a escola, começando então os confrontos de natureza mercuriana. Mais tarde há a crise venusiana da adolescência, onde a pessoa tem de enfrentar o amor e as agonias e êxtases resultantes. Mais tarde ainda há o estágio solar, onde é exigido que sejamos plenamente responsáveis por nós mesmos, e assim por diante, conforme avançamos através das fases de vidas planetárias. Estas crises e transformações são inerentes à natureza humana. Poderão vir mais cedo ou mais tarde na existência de cada indivíduo, mas terão de vir, ou a experiência da vida não é completa. A manifestação precoce ou tardia das crises de desenvolvimento deve-se às peculiaridades do mapa individual.

Uma das crises cíclicas de maior impacto é o chamado Retorno de Saturno, que ocorre por volta dos vinte e nove anos de idade, próximo do momento em que a Lua progredida retornou igualmente à posição natal. Esta crise significa que o planeta dos compromissos, responsabilidade e estruturação percorreu sua órbita completa e agora se coloca em conjunção com sua posição original natal. Foi percorrido todo um ciclo de construção de um modelo de vida, lançando-se as bases para a nova etapa que se configura. Mas é exatamente aí que precisamos olhar para o "prédio" que construímos na nossa vida, para as bases que assentamos para pavimentar nosso caminho. Estamos trilhando um caminho no qual nos sentimos confortáveis para prosseguir? Conseguimos uma salvaguarda interior para as nossas demandas emocionais? O nosso compromisso para com os outros e com a sociedade é correspondido pelo compromisso que temos para com nossas necessidades? Conseguimos identificar claramente nossa função e missão no organismo social? Enfim, este é um momento de fortes reflexões em relação ao ponto em que chegamos. É uma das primeiras encruzilhadas com que nos deparamos, onde temos uma clara noção de que caminho nos trouxe até ali, mas nem sempre estamos convictos de qual das opções devemos tomar para prosseguir. O retorno de Saturno acontece por volta dos vinte e nove anos, e já foi precedido por outras crises cíclicas de menor duração.

Marte, por exemplo, retorna mais ou menos a cada dois anos. Os ciclos de Marte podem ser utilizados para desenvolver habilidades, intensificar a carreira ou melhorar as relações. Pode marcar uma nova etapa de atividades, onde canalizamos certos desejos que foram se acumulando e agora demandam uma aplicação. Justamente pelo gradativo desenvolvimento das idades planetárias, é possível que durante a infância o retorno de Marte à posição natal não signifique muita coisa. À medida em que entramos na adolescência, algumas pessoas já começam a utilizar este ciclo, mas esta proposta vai se tornando mais ativa a partir da idade adulta. Já os ciclos de doze anos de Júpiter, proporcionam períodos maiores de expansão emocional e abertura de novos horizontes, bem como novas possibilidades no campo dos relacionamentos. É um momento em que as relações que se formam tornam-se cruciais em ampliar os modelos do mapa natal regidos por Júpiter.

A importância da crise relacionada ao retorno de Saturno está em que são relevados, muitas vezes sob coação, os resultados do desempenho pessoal durante a fase de desenvolvimento. A infância se foi e a juventude está se desvanecendo. Esta percepção geralmente leva as pessoas a fazerem um inventário dos seus talentos e aptidões. Geralmente existirão algumas necessidades emocionais que não foram atendidas e neste momento podem começar a tornar urgentes os movimentos para satisfazê-las. Dependendo de como pode satisfazer essas demandas dentro da situação de vida que lhe cerca, a pessoa precisará empreender mudanças maiores ou menores no seu mundo.

As crises relacionadas aos ciclos planetários não dizem respeito apenas ao retorno dos planetas à sua posição natal. Importantes questões costumam ser levantadas nos aspectos de quadratura e oposição que os planetas fazem à sua posição natal. No ciclo completo temos, portanto, quatro fases importantes, cada uma correspondendo a um dos aspectos difíceis: conjunção - quadratura crescente - oposição - quadratura minguante... e novamente a conjunção. Nestas quatro fases do ciclo completo temos a crise de partida em direção a uma proposta geralmente inovadora em relação ao planeta considerado (conjunção), a crise das demandas emocionais decorrentes dos desafios que temos que enfrentar para construção dessa nova realidade (quadratura crescente), a crise do choque com o mundo e com as pessoas envolvidas que são diretamente afetadas por esta proposta (oposição), a crise da realização, consolidação e inserção social desta proposta (quadratura minguante) e o retorno à conjunção, onde o ciclo recomeça no eterno movimento de renovação da vida. Estes ciclos intermediários são muito mais importantes para os planetas exteriores, Urano, Netuno e Plutão, devido ao longo tempo para completar uma órbita completa.

Urano rege a individualização. Seus ciclos, em especial a quadratura crescente (cerca de 21 anos) e a oposição (cerca dos 42 anos), marcam momentos de busca de independência e individualização. Este planeta sempre nos faz ansiar por revelar a nossa própria essência, a nossa verdadeira característica. A natural rebeldia e mudanças associadas a estes ciclos nada mais são do que uma forma de se buscar a essência interior, reagindo-se às demandas do entorno. Netuno, fortemente relacionado à espiritualidade, tem na quadratura crescente (de 40 aos 42 anos) um momento em que entramos em contato com nossos sonhos e ideais. Somos tomados pela vontade de transcender as limitações materiais e nos fundirmos com a totalidade, desejo inconsciente que muitas vezes canalizamos através de visões ou um forte sentimento de missão. É uma crise espiritual por excelência.

A quadratura crescente de Plutão é o único ciclo maior possível de ser vivenciado por um ser humano comum. Pode ocorrer em idades variáveis, atualmente para pessoas com cerca de 38 a 42 anos. É um momento de transformação onde precisamos eliminar tudo aquilo que já não condiz mais com nosso espírito. Plutão, como o próprio símbolo indica, é a atuação do espírito sobre a matéria, eliminando aquilo que já não faz mais sentido para a nossa trajetória maior. Por entendermos bem os desígnios da matéria, mas sabermos muito pouco sobre as ânsias do espírito, são crises muitas vezes difíceis de serem compreendidas e aceitas, já que por vezes implicam em perdas e separações de velhas âncoras.

Nessas crises relacionadas aos planetas transpessoais encontram-se os nossos maiores desafios. São conflitos freqüentemente de caráter conceitual e espiritual, e amiúde têm pouca consideração pela realidade que construímos até então.

Mais além do ‘perigo’ e das oportunidades que podemos daí extrair, as crises são uma clara mensagem de que não há fixação na vida, como na canção de Heráclito: "No mesmo rio, nós pisamos e não pisamos. Não se pode pisar duas vezes no mesmo rio. Tudo flui e nada permanece. Tudo cede e nada se fixa."