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A ILUSÃO DO PODER

Cristina Azeredo

Tudo passa. Um dia vem, outro vai e nunca é o mesmo. Traz-nos alegria ou tristeza, um dia chove e no outro faz sol. As estações mudam e percebemos as várias formas da natureza em sua beleza se apresentar para nós. Na sua mudança contínua nos mostra, também, a impermanência da vida e que, como parte dela, passaremos, e que a morte é certa. Porém, isso é algo que evitamos pensar; a morte é para os outros, não para nós. Detestamos concluir que não somos donos da nossa vida e que ela pode ir-se a qualquer momento para um desconhecido, e essa possibilidade é, no mínimo, apavorante. Vivemos numa realidade dualística, num mundo de opostos: alegria/tristeza, vida/morte, matéria/espírito e enquanto nos apegarmos a um dos opostos e negarmos o outro, sofreremos. Entretanto, se negamos a morte por que temos medo dela, também negamos a vida, assim como o espírito, quando nos vemos somente como um corpo que se acabará um dia. Sendo assim, nos apegamos ao que possuímos, nos tornamos aquilo que temos ou acreditamos ser e lutamos por esse status com todas as nossas armas, pois precisamos nos sentir importantes. Nos tornamos ansiosos e prepotentes por que queremos mostrar para os outros a nossa superioridade. Como necessitamos nos sentir alguém importante nos tornamos ambiciosos, invejosos e inimigos uns dos outros, numa luta acirrada por competição e segurança. E para vencer não hesitamos em mentir, manipular, controlar como se tivéssemos o poder sobre a vida. Que ilusão!

É claro que existe o poder para o bem e para o mal. Mas verdadeiramente para o bem, numa forma desprendida e totalmente desapegada, são poucos. Na maioria das vezes, estão por trás a ambição desenfreada, o orgulho, a vaidade, a falta de ética que caracterizam bem o poder do mal. Ele se reveste de muitas caras. Em nome do bem muita barbaridade já foi praticada, e ainda o é nesse mundo. O poder é sedutor e deslumbra, porque nos coloca numa posição de superioridade. Todo aquele que o busca, precisa dele para disfarçar a sua própria inferioridade. Então, impõe, controla, manipula, mente e precisa manter o seu sucesso a qualquer preço. Porém, aquele que é realmente seguro do seu poder, por tê-lo construído em bases sólidas que só o autoconhecimento profundo proporciona, é humilde e generoso, sabe internamente da sua força, e isso basta. Conforme disse Buda: "A causa do sofrimento é a cobiça".

O arquétipo do poder está em todos nós e tentaremos exercê-lo sobre aqueles que, de alguma forma, estão numa posição supostamente inferior a nossa. Se for uma mãe ou pai, tentará exercê-lo sobre os filhos; se for uma dona, de casa, tentará exercê-lo sobre a sua empregada; se for um chefe de repartição, tentará exercê-lo sobre os seus subordinados. Mas como exercer esse poder de forma que não nos tornemos repressores, controladores, cruéis e irresponsáveis com os direitos e os valores dos outros, por conta de um ego negativo?

Queremos sempre controlar tudo: objetos, pessoas, o status alcançado, porque nos apegamos a tudo isso, e assim caímos na angústia e no sofrimento por medo de perdê-los. O medo da perda nos torna controladores e muitas vezes até cruéis. A nossa verdade que está sedimentada em premissas falsas é o que queremos impor a qualquer custo. Ela é que nos livrará do medo da perda, do fracasso e da incompetência das quais fugimos, e assim nos tornamos surdos, mudos e cegos. Só ouvimos, falamos e enxergamos o que nos interessa.

O egoísmo, a vaidade e o orgulho são partes integrantes do arquétipo do poder. Os outros, com os seus valores e necessidades, não tem importância. Os nossos interesses mesquinhos, que jamais reconhecemos como tais, têm que prevalecer. Mas por que é assim? O que impede que respeitemos e amemos uns aos outros? Eu diria que é a falta de consciência. Nós não somos conscientes apenas, porque temos um cérebro que funciona saudavelmente. A base do nosso ser é uma consciência transcendente que é só amor, todavia precisaremos conquistá-la, para que saiamos de uma consciência ilusória e dualista, que nos faz criar um mundo mau e repressor.

Estamos sempre encobrindo os nossos reais sentimentos e atos mesquinhos por trás de uma máscara, que pode se apresentar de muitas formas. Passamos a vida lutando para que não caia, e não sejamos descobertos, vistos como um fracasso, que acreditamos ser. Mas esse eu fracassado também é ilusório. Na realidade somos o nosso Ser Superior, mas para vivê-lo na sua plenitude deveremos transformar todas as crenças falsas que nos levam a ter uma visão equivocada da realidade. Quanto mais apego a um poder egoísta e controlador alguém tenha, mas medo do fracasso terá e fatalmente caíra nele.

O poder é ilusório e como tudo na vida passará, uma vez que não temos controle sobre nada Tudo que existe é passível de mudança ou perda: dinheiro, status, saúde, amizades. Uma hora os temos, em outra, não mais. Porém, mesmo sabendo disso, queremos manter, sustentar o prazer, o sucesso, a felicidade para sempre, esquecendo que os seus opostos também fazem parte de nós. Assim tendemos a controlar, para não perder, porque vivemos na ilusão de que temos poder.

Todos nós exercemos o poder de alguma forma na hierarquia social e devemos refletir como o fazemos, e mais do que nunca, quem o exerce sobre as massas. Não podemos permitir que níveis de consciência primitivos e inconscientes nos dominem, e nos levem a ações egoístas, controladoras, injustas e sem ética, trazendo mais sofrimento para nós e para os que nos rodeiam. Precisamos aprender a sermos mais altruístas, buscando a coragem e a responsabilidade para transformarmos primeiro a nossa destrutividade interior, ao invés de impô-la aos outros. Muitos preferem ignorar os seus defeitos porque não querem carregar o fardo desse conhecimento. O poder para ser justo só exige consciência.

Somente o autoconhecimento de uma forma profunda e sistemática nos levará à paz, à felicidade e a exercer o nosso poder de uma forma justa, desapegada e ética. É uma opção de vida, sobre a qual cada um de nós deve refletir com seriedade.

Existem vários caminhos: meditação, terapias transpessoais, yoga, entre outras, que uma vez usadas com disciplina e determinação, com certeza, nos levarão a níveis de consciência mais profundos. Novos valores surgirão, assim como um código ético e moral, baseado nas premissas verdadeiras do nosso Ser Superior.