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O OUTRO LADO DOS ARCANOS TEMIDOS DO TAROT

Paula Salotti

O Enforcado, a Lua, a Morte... Oh! Saiu a Torre; será que não vai dar certo? Tudo vai desabar?...

Quem, mesmo com o mínimo conhecimento do Tarot, ao olhar ou consultar um baralho, ao se deparar com essas cartas não sente um frio na espinha e o desejo de não tirá-las ? Mesmo os mais experientes, será que conseguem, ao conduzir um jogo, não deixar transparecer que estão escolhendo palavras, com algum embaraço para melhor traduzir aquelas imagens ?... Vamos tentar, então, compreender um pouquinho de cada um dos arcanos temidos do Tarot.

Chamamos as cartas do Tarot de arcanos, cujo significado é mistério. Por isso, quando dizemos "Tirei o arcano X, XV ou II", estamos dizendo: "Tirei o mistério X, XV ou II". E mistério é algo que não foi descoberto, revelado, é uma situação não acessível à mente lógica e racional. Para percebermos alguma mensagem ou significado, temos que desvendá-lo, e para isso devemos contemplá-lo. Portanto, o primeiro grande erro que cometemos ao ler ou interpretar o Tarot ou qualquer mecanismo simbólico, é aquela postura rígida, que já sabe de antemão o que cada arcano ou símbolo quer dizer. Todo símbolo, seja um número, um signo do zodíaco ou uma carta do Tarot, é um arquétipo, e arquétipo é o retrato neutro de uma realidade. Só conseguiremos interpretar fielmente cada jogo quando nos esvaziarmos de toda informação teórica, e olharmos para aquele quadro como se fosse algo totalmente novo e desconhecido, com o respeito que o mistério merece. Aí sim, deixamos o nosso lado contemplativo prevalecer. Traduzir um símbolo é interpretar uma sensação; mas é claro que a informação intelectual ajuda. Quanto mais procuramos verbalizar, estudar, acrescentar informações, mais organizamos a nossa intuição e proporcionamos meios para que ela seja canalizada e transmitida.

Assim, começamos nossa viagem através de cada arcano temido, procurando extrair o que há de mais forte e significativo na simbologia de cada um. Podemos dizer que os recordistas de sustos são o Enforcado (XII), a Morte (XIII), a Torre (XVI) e a Lua (XVIII).

O Enforcado , ao contrário do nome, está pendurado pelos pés. Ao contemplarmos este arcano, é comum surgir uma sensação de desconforto, por sua incômoda posição. O Enforcado está amarrado pelos pés, de cabeça para baixo, e de suas mãos deixa cair moedas. É comum num jogo este arcano refletir um momento de prisão, quando estamos literalmente de mãos atadas, sem nada poder fazer e, ainda por cima, tendo que nos desapegar daquilo que representa nossa segurança (as moedas). Sem dúvida, não é um dos momentos mais tranqüilos da vida, mas com certeza é um dos mais ricos e promissores, uma vez que sugere transição. Não a transição rápida, que leva a uma mudança súbita de vida ou de situação, mas a alteração de valores, a mudança de perspectiva, quando passamos a ver o mundo de cabeça para baixo, quando o que antes nos motivava perde totalmente o sentido. O que fazer então? Tudo, menos se lamentar ou se sentir vítima; auto-piedade, jamais!... Esse é o lado negativo do Enforcado . Em sua manifestação negativa, o Enforcado passa tanto tempo com pena de si mesmo, que não vê o quanto é liberado, e que pode ele mesmo soltar os nós que o aprisionam. A postura desse momento é de interiorização, renúncia dos desejos mais egocêntricos, desprendimento e caridade. É quando estamos mais sensíveis a tudo que nos cerca, e quanto mais focalizarmos nossa compaixão na dor alheia, menos tempo teremos de lamentar a nossa. Este arcano só representará sacrifício para aqueles que insistirem em se manter apegados a situações, valores e idéias.

Arcano XIII - a Morte . Apenas a pronúncia do nome deste arcano já está carregada de estigmas. Nossa sociedade ocidental associou a idéia da morte a algo triste, a um fim. É importante buscarmos este mesmo arcano no Tarot egípcio, que não se chama " A Morte" , mas "A Imortalidade", e tampouco é retratado por uma caveira, mas sim por um homem ceifando o trigo, totalmente de acordo com a sabedoria oriental. O trigo possui uma simbologia riquíssima, já que representa a renovação, o renascimento. Quando vemos o movimento da Morte , o ato de ceifar, parece que ela está varrendo, limpando aquele terreno com uma foice. A foice é também símbolo do planeta Saturno (outro símbolo mal interpretado) e sugere limpeza, o corte naquilo que é inútil ou que já não é mais utilizado, para que possamos ficar com o essencial. O momento deste arcano é exatamente este: fique com o essencial, se liberte do excesso, das gorduras, das aparências. Quando limpamos nosso terreno, quando eliminamos o velho, damos lugar para o novo chegar. O momento da Morte pede que passemos a foice em nossa vida. É hora de abrir os armários, limpar as gavetas, renovar. Caso contrário, a vida fará isso por você, e é aí que será doloroso. Um arcano será experimentado de uma forma negativa quando vivenciado inconscientemente, ou seja, se você não faz nada para expressá-lo, as chances dele surgir em sua vida "de surpresa" ou sem o seu consentimento, serão maiores.

A Torre (XVI), pode ser considerada a campeã do pânico. A sua imagem não ajuda muito, já que vemos uma torre sendo destruída por um raio e algumas pessoas despencando lá de cima. Uma informação que nos ajuda a compreender melhor a profundidade deste símbolo é um antigo nome deste arcano: "A Casa de Deus". Como um arcano que representa "A Casa de Deus" pode ser maléfico?... Vamos entendê-lo.

A Torre simboliza a construção da nossa vida - tijolo, por tijolo, pedra sobre pedra. Cada experiência, e principalmente cada conquista que materializamos, é o que somos hoje. Mas a vida está a cada momento se renovando; a natureza se transforma a cada instante, e todo ser, para estar vivo, não pode se negar a transformar-se também. Por isso a Torre vai surgir apenas nos momentos em que nos cristalizamos em nossas conquistas, no poder, na vaidade, achando que somos donos e senhores de tudo e de todos, e arrogantemente esquecemos que vivemos na "Casa Deus". Nosso corpo, nossa casa, nosso país, nosso planeta, essas coisas não nos pertencem para a eternidade, e é em vão a luta por mantê-las intactas e eternas. Nesses períodos de apego, a Torre vem para nos derrubar do alto de nossa presunção e nos despertar, como um raio que cai do céu. Em geral somos sacudidos por acontecimentos externos, como perdas, decepções, conflitos, etc, para que acordemos e continuemos a construção, cada vez melhor, cada vez mais alta. Na "Casa de Deus" não há lugar para acomodação. Quando estivermos estagnados, sem vontade para crescer ou nos aperfeiçoarmos, com certeza viveremos a Torre , um aviso divino de que a evolução não pode parar.

O mistério XVIII, ou a Lua , é o símbolo máximo do inconsciente. O mundo da Lua é o mundo da noite, da escuridão, do oculto. Só tem coragem para enfrentar este mundo o iniciado, aquele que já dominou os mistérios, aquele que já descobriu sua própria luz. Não é por acaso que 18 se reduz a 9, e o arcano 9 é o Eremita , o sábio que guia e ilumina o seu caminho com a luz interior e vive bem na noite, vive bem na escuridão. Os que tentam entrar no mundo da Lua sem possuir a orientação da própria luz, acabam por lá ficando, vítimas do próprio inconsciente. São dominados por medos, fantasmas, assombrações, alucinações. Em decorrência, surge a depressão, a angústia ou a falta de contato com a realidade. As imagens deste arcano sugerem um mundo primitivo: aqui não encontramos nenhuma figura humana; apenas seres do mar, escorpiões, caranguejos, lobos e cães uivando, o que simboliza a predominância do mundo instintivo, irracional, intuitivo. O momento deste arcano é ideal para cuidarmos dos assuntos da alma, para ingressarmos em experiências transcendentais, para desenvolvermos nossa intuição. A Lua é pura magia, inspiração, fantasia.

É interessante observar que estes arcanos simbolizam experiências marcantes, profundas e muitas vezes fora do nosso controle, o que pode nos levar a chamá-las de experiências kármicas ou períodos de resgate. Um momento kármico não quer necessariamente dizer um bom ou mau momento, mas sim, um período em que, por mais que nos esforcemos para fazer prevalecer a nossa vontade, estamos à mercê do coletivo, e somos guiados e conduzidos por forças superiores à nossa. O saldo positivo que obteremos nesses momentos serão proporcionais à nossa sabedoria em lidar com a entrega, seguir a correnteza, termos uma postura "zen".

É importante ressaltar que nenhum símbolo é bom ou mal, positivo ou negativo. Ao vivenciarmos o seu princípio de forma mais ou menos elevada, nós é que os transformamos em experiências positivas ou negativas.