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ASTROLOGIA: UMA QUESTÃO DE APARÊNCIAS SINGULARES

Kátia Lins

No âmbito dos saberes científicos, a astrologia é considerada como superstição, engodo, "bruxaria" ou quando criticada de maneira mais "benevolente", uma crença cultivada por mentes ingênuas que ainda acreditam que os astros têm influência sobre os eventos terrestres. De todo modo, sejam quais forem os adjetivos que receba, a justificativa de não se levar a astrologia a sério é sempre a mesma: "a astrologia não é uma ciência". Como astróloga, concordo plenamente. O que eu discordo, deveras, é que o fato de não habitar o espaço reservado ao acervo das verdades científicas reste-lhe habitar as moradas da superstição, do engodo, ou da "bruxaria", no sentido pejorativo deste termo, uma vez que "bruxaria" e "bruxa" são termos que podem adquirir outros significados, bastante interessantes, dependendo do contexto em que são utilizados. Por exemplo, quando Freud se referiu a sua Metapsicologia como "o caldeirão da bruxa". Mas, neste momento, não é o meu objetivo mergulhar no reino das bruxarias mas sim no da Astrologia, deixando os caldeirões e as vassouras para uma outra ocasião.

A Astrologia não é uma ciência? Considerando-se o que se define como ciência a partir da Modernidade, eu penso que não. A começar pelo fato de que o saber astrológico não se baseia no sistema heliocêntrico mas num sistema de perspectivas de eventos. Dito em outros termos, o céu astrológico é sempre o que aparece em um dado instante sob a perspectiva de um ponto específico da Terra. Sendo assim, a astrologia se baseia nos fenômenos celestes, isto é, nos diferentes céus que aparecem a cada instante. Para resumir, posso dizer que para a Astrologia, o céu é tal como aparece.

Entretanto, o mais interessante é que não importa se você viu ou deixou de ver o céu para que um astrólogo possa fazer a leitura do mapa celeste correspondente ao dia de seu nascimento. Saiba, também, que sob esse mesmo céu outros eventos ocorreram e suas variedades podem se referir desde ao nascimento de um lindo poodle até a eleição do novo prefeito de sua cidade. Para o astrólogo, o que importa é saber a aparência do céu, isto é, quais as posições ocupadas pelos astros em relação ao ZODÍACO num determinado dia, hora e local.

Após ter falado tanto de aparições, reafirmo que a astrologia é, portanto, um saber que se refere às aparências. Isso em muito me chama a atenção porque, diferentemente da tradição metafísica de Platão, a astrologia não separa um "mundo verdadeiro", considerado como um mundo superior de idéias essenciais, do mundo no qual vivemos, considerado por essa mesma metafísica como um mundo de aparências, de cópias, ilusões e simulacros. Ao meu ver, a astrologia considera que a cada um o seu mundo "aparente", ou seja, em Astrologia Ser e Aparecer são inseparáveis.

A astrologia possui um corpo de linguagem que permite ao astrólogo fazer leituras das aparências do céu e essa linguagem pode ser transmitida para quem se habilite a aprendê-la. Isso quer dizer que os astrólogos são leitores de símbolos que constituem um Mapa Celeste e esses símbolos dão origem a uma cadeia infinita de termos análogos entre si. Dito de outra maneira - pois sempre há uma maneira outra de se dizer o que quer que seja - a partir da aparência do céu a linguagem astrológica não permite que se saiba o significado do evento a priori, como por exemplo, se se trata do nascimento de um príncipe, de um mendigo ou da deflagração de uma guerra, mas permite saber que qualquer que seja o evento ele é sempre um análogo na cadeia deslizante de seus simbolismos. Sendo assim, não há nos céus astrológicos uma escrita de significados a priori mas de simbolismos que se constituem em significados por suas ligações em permanente devir. Portanto, ao contrário do que muitos leigos em astrologia ainda acreditam, e muitos outros não tão leigos assim, o estudo e a prática da Astrologia não sugerem que os astros tenham "influência" sobre os eventos terrestres. Eu diria, pois, que a astrologia é um saber que diz respeito a um princípio de correspondências análogas entre eventos celestes e eventos terrestres, dando a devida atenção ao fato de que o análogo não é o igual. Se comparada a um relógio, a astrologia seria um relógio do tipo analógico, não digital.

Ao meu ver, O MAPA ASTRAL é tal como a esfinge que acossa o Édipo que nos habita e nos propõe o enigma da vida e da morte que só pode ser decifrado pelo lugar de sujeito. Diante do enigma, recebemos o veredito: "Decifra-me ou Devoro-te!"

A Esfinge é tal uma boca insaciável que se alimenta de palavras. Diante do enigma por ela proposto, o Homem pode contar, apenas, com suas palavras. As palavras do Homem são, portanto, as "oferendas" que devem ser ofertadas a essa Senhora enigmática e para quem não bastam as palavras vazias, isto é, que estejam desafetadas ou separadas de sua corporeidade.

Portanto, o homem, aquele que vive acossado pelo enigma da vida e da morte, só permanece sujeito de sua existência enquanto suas palavras forem plenas, ou seja, preenchidas de significados construídos pela singularidade de seu próprio desejo. Desse modo, a cada convocação da Esfinge, o homem é provocado a transitar do lugar do sujeito da verdade à verdade do sujeito para que a esfinge possa ouvir a resposta ao seu enigma: "É O SUJEITO QUEM TE RESPONDE! "

Mas o que acontece quando ao Homem é negado o direito de responder sobre a sua própria vida? O que podemos dizer quando há uma indústria astrológica que fabrica "respostas" para todos? Será que, ainda assim, pode o Homem afirmar estar vivo quando já nem mais se sente convocado a responder sobre o enigma, já que as respostas prontas se colocam como sujeitos da verdade?

Desse modo, tenho como objetivo propor algumas questões sobre o lugar do astrólogo no contexto contemporâneo caracterizado por uma indústria que fabrica objetos de consumo em série da mesma forma que fabrica as subjetividades, ou melhor, séries de clones psíquicos que desconhecem o sujeito e, conseqüentemente, uma indústria de "Eus - Narcisos" que por não tolerar conviver com o que não é espelho - já nos alertou um poeta - formam a base da violência cujo prazer é eliminar a diferença e a singularidade. Portanto, será que enquanto astrólogos, nossa ética permite-nos reconhecer que o nosso lugar é o de convocar aos enigmas e não o de respondê-los?

Enquanto houver "práticas astrológicas" que aprisionam e estancam a multiplicidade da vida sob as formas rígidas dos significados constituídos a priori e supostamente determinados por uma "moral celeste", estaremos "cientificizando" o que não pode ser do âmbito das ciências já que estas universalizam o que só pode ser do âmbito das singularidades: A resposta de cada sujeito diante do enigma de sua existência.