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PELOS CAMINHOS DA YOGATERAPIA

Ernani Fornari (Dharmendra)

A partir dos anos 90, a Yogaterapia começou a ficar um pouco mais em evidência no Brasil, em função de cursos e livros que surgiram e colaboraram para divulgar mais amplamente este assunto. E como é um tema ainda pouco conhecido do grande público e alguns setores mais tradicionais do Yoga ainda tratem a matéria com certa reserva e resistência, este texto pretende lançar alguns tópicos para provocar uma maior reflexão e discussão sobre o tema.

Em primeiro lugar, seria interessante lembrar que o termo Yogaterapia permite duas leituras aparentemente distintas, mas complementares:

a)- uma leitura de sentido mais amplo e profundo, que considera que todo o Yoga - independente de linhas e estilos - é Yogaterapia, pois pretende curar a mais primordial de todas as doenças: avidya , a ignorância. Ignorância do Self, do Ser. É a partir da ignorância de nossa natureza real que todos os problemas da existência se desenrolam. Daí, Yoga significar "unir" (curiosamente muito parecido com o sentido da palavra " religião" = religare = religar).

b)- outra leitura de sentido mais específico, que entende que a Yogaterapia é uma especialidade do Yoga. E mais especificamente ainda, do Hatha Yoga (embora o Tantra não esteja excluído).

Em cima desta segunda leitura podemos considerar duas abordagens distintas da Yogaterapia:
1. por um lado, temos uma abordagem mais tradicional, presente em grande parte da literatura, que trata a Yogaterapia como um receituário. "Para tal enfermidade tais e tais asanas e pranayamas..." . É muito comum vermos no final dos livros de Yoga listagens de indicações e contraindicações. Este tipo de estilo de trabalho também costuma utilizar séries fixas de asanas e pranayamas para tratar as doenças: séries para coluna, séries para asmáticos, diabéticos, cardíacos, etc.

2. de outro lado, temos uma abordagem mais moderna e que trabalha dentro de uma visão mais personalizada, onde ao contrário de aplicar "receitas de bolo", o profissional desenvolve um amplo e profundo raciocínio terapêutico, que deve ser construído basicamente a partir de um tripé fundamental:
2.1- um bom conhecimento de anatomia, fisiologia e cinesiologia.
2.2- um razoável conhecimento de psicologia.
2.3- um bom conhecimento da fisiologia energética do Yoga (chakras, pranas, nadis). Este tripé é absolutamente essencial para que se possa efetuar uma correta leitura e interpretação da demanda do cliente de modo a poder-se elaborar o tratamento personalizado, em função desta anamnese.

A Yogaterapia que se atém somente ao item 2.1, corre o risco de ficar reduzida a uma espécie de subsidiária da Fisioterapia, perdendo sua função mais nobre que é a de considerar primordialmente o aspecto holístico e integrado do ser.

Em relação ao item 2.3, é importante resgatar para o Hatha Yoga o conhecimento tântrico sobre o funcionamento da energia e o uso do seu vasto ferramental energético. É necessário que se lembre que o Hatha Yoga é uma forma resumida do Tantra, que foi codificada para servir ao Raja Yoga, isto é, preparar o corpo para a meditação, lembrando que Patanjali em seu ashtanga prevê asana e pranayama. É necessário, então, buscar no Tantra o conhecimento amplo desta fisiologia energética, para que o yogaterapeuta possa trabalhar eficientemente dentro do postulado primordial que prega que o Yoga trabalha integradamente o complexo corpo/mente/emoção/energia, de dentro para fora e de fora para dentro.

A frase de Desikachar que abre este texto, vem ao encontro da idéia do desenvolvimento da criatividade. Em nenhum texto tradicional do Hatha Yoga se propõem métodos ou formas de se dar aulas ou tratar pessoas. Apenas as ferramentas, seu funcionamento e efeitos são expostos. Nenhuma indução de se o trabalho deve ser com séries fixas, com fichas, etc. Não fosse assim os diversos mestres do Yoga não teriam desenvolvido estilos tão diferentes.

Creio que o profundo estudo do importante "tripé" citado no início, acrescido da intensa prática pessoal e da observação exercitada em aulas e atendimentos, propiciam ao terapeuta de Yoga desenvolver a necessária intuição para que sua criatividade possa fluir de forma livre e responsável, e com um alto nível de capacitação profissional. Não deve ser intenção do yogaterapeuta pretender substituir o médico, o psicólogo ou o fisioterapeuta, apesar de que o amplo e holístico leque do Yoga permite uma rica e sinérgica interação com todas estas áreas da saúde.

O profissional de Yogaterapia também deve estar profundamente consciente de que, além de terapeuta, ele é, sobretudo, um educador. O processo de manutenção e recuperação da saúde, passa fundamentalmente, por um trabalho consciente e profundo de reeducação, função esta que, infelizmente, não está sendo devidamente exercida por nossa medicina moderna.