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A MEDITAÇÃO NO DIA-A-DIA ::: Parte II
Os Estados Meditativos na Vida Diária
ou
O Que Vier Está Bom!"

Paula Salotti

"A felicidade não é a ausência de conflito, é a habilidade de lidar com ele. Uma pessoa feliz não tem o melhor de tudo. Ela torna tudo melhor."

O sonho de todos nós é nos transformarmos. A transformação é um desejo inerente ao ser humano, seja em qual nível for. Desde a aparência - corpo, cabelo, estilo - até características de personalidade e situações externas da vida - casamento, família, relacionamentos - dificilmente encontraremos uma pessoa que diga estou plena e feliz como sou, com o que tenho. Haverá sempre um detalhe que se fosse transformado seria melhor, nos traria a tão sonhada felicidade, a paz, a alegria almejada.

Mas o que percebemos é que quando conseguimos transformar um setor da vida, logo outras imperfeições aparecem, e mesmo aquilo que parecia tão diferente e especial, torna-se igual ao antigo, sem graça ou cheio de defeitos.

Enquanto direcionarmos nossa energia para mudarmos o mundo externo cairemos num círculo vicioso e sem fim, já que o exterior será sempre mera projeção de nosso estado interno. Nossa vida externa não é o filme, mas a tela que o projeta. O filme somos nós quem criamos. E podemos escolher entre sermos os roteiristas, os diretores ou apenas os atores que decoram suas falas.

A magia que ocorre em nossa vida quando acessamos os estados meditativos está justamente nesse ponto. A prática diária da meditação nos leva gradativamente a perceber essas diferenças e acessar com consciência esse lugar tão agradável em nosso interior. Deste espaço passamos a assistir de camarote a trama da vida, presentes, porém distantes. De uma perspectiva diferente, vamos observando, aprendendo, contemplando...

INTEGRAÇÃO

A meditação nos ensina a integrar. Integrar é aceitar, acolher, dar espaço, respirar. Não-integrar é bloquear, reprimir, tensionar. Qualquer desejo ou sentimento não integrado vira reprimido, e reprimido cresce numa proporção assustadora tomando conta da situação, dos nossos atos, do nosso humor.

Portanto, assim que surgir qualquer sensação, integre-a, acolha-a, receba-a sem julgamentos ou rótulos, mas dando espaço para que ela se manifeste, respirando profundamente para dissolvê-la na consciência.

Fazemos isso durante a meditação com lembranças, incômodos, sensações desagradáveis, coceiras, dores. Permitimos que a sensação apareça e passamos a observá-la antes de reagirmos a ela.

Por exemplo, se durante a sua meditação surge uma desconfortável coceira, observe-a, procurando sentí-la profundamente, antes de mecanicamente começar a coçar. Receba a coceira, respire a coceira, permita que ela esteja ali, total! É bem provável que não seja necessário coçar, que ela seja de tal forma integrada àquele momento que dissolva-se. Mas se mesmo assim a coceira persistir, pode ter certeza que você se coçara de forma diferente -consciente!

Podemos levar essa consciência para nossa vida em todas as situações, ao comermos, falarmos, agirmos. Antes de deixarmos que o instinto tome conta dos nosso atos, palavras e reações, respiramos e acolhemos com amor o que acontece em nosso ser naquele instante. Assim, a consciência vai surgindo em cada ato como os primeiros raios de sol que iluminam o dia, e toda resistência e rigidez vão sendo diluídas pela leveza da inteligência do coração.

"O que vier está bom" - Nesse momento você tem exatamente o que precisa!!!

Por isso que o grande mantra de quem medita é: "o que vier está bom." Nos sentamos para meditar e nada esperamos, "o que vier está bom".

Assim é na vida, vamos vivendo e "o que vier está bom". Passamos a entender que o que chega é exatamente o necessário naquele momento.

Quando esperamos obter algum efeito ou resultado com a prática da meditação, estamos contrariando o seu o princípio básico que é a dissolução de expectativas, já que toda expectativa está vinculada a um momento do futuro. O dia que nos sentamos para meditar e temos uma maravilhosa experiência espiritual, visões, mensagens, observamos e repetimos nosso mantra "o que vier está bom." É bem provável que na próxima meditação não consigamos sair da superfície, sentindo inquietude, coceira, desconforto. O que faremos? Observamos, respiramos, integramos e repetimos nosso mantra "o que vier está bom."

Vamos aos poucos aprendendo que em cada momento atraímos apenas o necessário àquele momento e começamos a aprender a usufruir cada instante como sendo o melhor, sem comparações com o ontem, tampouco com um amanhã imaginário.

Aprendemos que tudo é necessário, mas nada é importante ou mais importante.

Ao contrário do que muitos pensam, tal postura não trata-se de passividade ou inércia. Tão pouco é motivada por covardia ou descaso com a vida. Mas quanto maior a consciência de que a única realidade disponível e viva é o instante presente, menores serão as expectativas, projeções ou ilusões para o minuto seguinte. Essa consciência nos levará a experimentar cada instante da vida com o coração aberto, com gratidão pelo que recebemos e leveza - a grande chave para que não haja estagnação nos períodos de crise e conflitos.

A leveza nos faz boiar e boiando não resistimos, boiando nos entregamos tanto às ondas calmas quanto às turbulentas, e só com leveza percebemos o aspecto transitório dessa existência e de tudo que a cerca.

Quando resistimos, experimentamos a tristeza e a depressão. A aceitação transforma-se em bem estar e percebemos que qualquer coisa da vida pode ser desfrutada. Sempre haverá uma grande dose de prazer em qualquer coisa que experimentamos.

Exercício de Plena Atenção

Um monge disse a Joshu:
- "Acabei de entrar para o mosteiro. Ensine-me, por favor".
Joshu indagou:
-"Já comeu o seu mingau de arroz?"
- "Já o comi", respondeu o monge.
Disse-lhe Joshu:
-"Então é melhor que lave a tigela".

Fique em pé de olhos fechados e comece a perceber o seu corpo desde os pés até a cabeça. Torne-se consciente da sua postura, observe o ritmo da sua respiração sem interferir no processo. Com os olhos semi abertos, comece a caminhar lentamente, sentindo o movimento das pernas, a troca dos pés, o chão, a intenção que comanda o corpo ao caminhar. Caminhando pela sala perceba a sensação dos pés tocando o chão, sinta o movimento dos tornozelos, dos joelhos, até que todo o corpo esteja presente, cada célula vibrando em harmonia com o todo. Perceba como a simples movimentação das pernas necessita de total sincronia entre todo o corpo. Tome consciência desta harmonia. Sinta a gratidão pelo movimento. Perceba a orquestra perfeita que é o seu corpo e sinta-se o maestro dessa orquestra, capaz de direcioná-la para onde quiser. Permita-se ser pleno com o seu corpo, sua respiração - que é a dádiva da vida pulsando em seu ser - e perceba que qualquer necessidade ou desejos nada mais são do que produtos da prisão ao passado ou ansiedades e expectativas do futuro, e estando verdadeiramente presente no Agora, nada mais é necessário... apenas ser!

Pare, feche os olhos sentindo plenamente o seu corpo e sua respiração, permitindo que todo o seu corpo vá ficando cada vez mais solto, relaxado, inspirando e expirando qualquer dor ou tensão. Continue a caminhar experimentando a leveza de estar no agora.

Esta prática deve ser levada para cada ato da nossa vida diária. A plena atenção em todas as atividades é a senha para o encontro e abertura do espaço mágico que tanto buscamos - e que está muito mais próximo do que imaginamos.