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AFINAL, CADÊ O APOCALIPSE?

Nei Naiff

Acredito ser um grande equívoco postular sobre o fim do mundo e a transição do milênio em relação ao terrorismo, às guerras e aos conflitos eminentes dos últimos anos. Ao analisarmos a história do homem não encontraremos nos últimos sessenta séculos uma única década que não tivesse tido uma única guerra num ou noutro país, cultura ou civilização. Oras, não precisamos ir muito longe; será que ninguém se recorda da Guerra da Bósnia, do Timor Leste, do Golfo, das Malvinas, do Vietnã, da 2ª Guerra Mundial, da 1ª? Há quanto tempo existe o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte? Remonta ao século XVII. Você crê que os terroristas do IRA (católicos) são diferentes do Hezbollah (islâmicos)? Será que todos se esqueceram que esses grupos estão em atividade há mais de 30 anos?! Será que todos não se lembram das inúmeras embaixadas, prédios e escolas que já foram destruídos por esses fanáticos religiosos? .

Depois do fatídico 11/09/2001, todo mal do mundo se resume ao grupo terrorista Al Kaida de Ozama Bin Laden - ele se tornou a besta, o diabo, o anticristo! A população mundial se esqueceu dos outros 25 grupos conhecidos com ideologia política ou religiosa, tais como, o ETA (Espanha), FARC (Colômbia), PFLP (Palestina), Al Jihad (Egípcia), que continuam em atividade. Ah... Vocês não se recordavam disso, não é?... Hum, será que todos se esqueceram dos golpes militares, entenda-se desgraça e retrogradação, ocorridos no Brasil, Chile, Argentina, Venezuela, Grécia, Espanha, Alemanha, Cuba, China e Rússia durante as últimas décadas? .

Sim, o século passado foi repleto de revoluções, golpes e guerras; mas todos os séculos anteriores não foram diferentes em nenhum lugar do mundo, inclusive, na virada de todos os milênios ou séculos que já existiram! Já diziam os profetas: de mil passarás, de dois mil não passarás.... Bem, já estamos em 2003 e nenhum asteróide caiu na Terra, não houve a 3º Guerra Mundial e nem o messias surgiu das nuvens. E agora, qual será a próxima profecia? Jamais poderemos deduzir ou, pior, induzir que os conflitos existentes sejam o prenúncio do final dos tempos. .

Bem, se não é isso, então o que é essa tal Era de Aquário, Apocalipse e/ou Nova Era, você deve estar se perguntando, certo? Então, vamos lá: o homem procura sua dignidade no plano social, na ciência, na religião e numa vida material mais confortável, o que é perfeitamente válido e muito importante para sua sobrevivência; porém, esqueceu-se, ou poderíamos dizer que vem se esquecendo desde os primórdios da humanidade, de vislumbrar o seu próprio interior, sua alma, seus belos sentimentos, como também respeitar sua família, seu vizinho, trabalho, colega, amigo, para não dizer sua própria e curta vida. Não, não estou falando de religião, mas de civilidade e humanitarismo. Afinal, as religiões existem há mais de 50 séculos e nunca deram jeito no mundo! Então, o que está errado? Nós, nós estamos redondamente errados! .

Você já deve ter percebido que o planeta possui uma guerra sem fim; que as religiões apenas conseguem deter o caos, mas não o eliminam; que temos um maravilhoso avanço tecnológico, mas não paramos para pensar qual seria o seu limite; que os governantes do primeiro mundo detêm poder suficiente para erradicar a pobreza, mas preferem investir num futuro incerto. Numa realidade muito cruel podemos afirmar que somos ignorantes e estamos muito longe de vivermos em paz, pois ainda precisamos de leis para nos proteger de nós mesmos quando bastaria o bom senso! Ainda brigamos em nome de Deus! Ainda matamos em nome do amor! Ainda acreditados que nunca teremos problemas e que só nossos vizinhos os possuem. .

Agora, vamos por partes: você já reparou na história nos dois últimos séculos? Não, não estou falando das guerras, nem das ciências ou tecnologia; estou me referindo ao comportamento, as tradições sociais e aos dogmas. Sim, todos estão indo por água abaixo. Você percebeu o que tem ocorrido com as religiões? Estão se fragmentando, criando outros rebanhos, correntes de pensamento divergentes dentro de uma única fraternidade, seita ou credo. Você já reparou que ninguém é mais obrigado a ficar casado até que a morte os separe? Pergunte ao seu bisavô como era o matrimônio. Você já notou que as mulheres podem trabalhar, votar, servir ao exército? Pergunte a sua bisavó como era em sua juventude. Você já percebeu que os homens cuidam dos filhos e que alguns até ficam com eles numa separação? Pergunte ao seu bisavô como era no tempo dele. Portanto, o que temos é uma guerra cultural, um último suspiro do pensamento retrógrado da humanidade; podemos dizer que estamos tendo uma transição para uma consciência pura, igualitária e, acima de tudo, fraterna.

Também temos um outro ser agonizante, já pronto para se pulverizar na história, mas que ainda resiste se debatendo com a nova consciência da humanidade: a ortodoxia religiosa. Pode ser que ainda demore um ou dois séculos, mas que os fundamentalistas irão para o brejo, eles irão. Sim, o grande problema da humanidade - a intolerância, o ódio e o racismo - advém, em grande parte, do pensamento de todos os credos ao longo de seis mil anos. Toda guerra possui três fatores, interligados ou não: política, cultura e religião. É estranho eu dizer isso, pode ser, mas é o que observamos na história e na televisão, pois as religiões pregam a entrada ao reino dos céus, mas desde que o caminho seja na fé da ortodoxia propagada e nunca na da concorrente. Quando dois povos estão em guerra, cada um clama ao seu Deus para aniquilar o inimigo; isto me lembra uma frase de Martin Luter King: nessa história de olho por olho, terminaremos num país de cegos. É muita arrogância e soberba proclamar a superioridade espiritual de uma etnia à outra, pois todos somos iguais em essência e apenas diferimos culturalmente. .

Por outro lado, as religiões e seus sacerdotes possuem um papel importantíssimo na conexão homem-Deus, então o que fazer? Devemos continuar com o processo religioso porque mesmo elas tendo errado ao longo de sua história, de nunca terem conseguido atingir a irmandade prometida, elas conseguiram deter a degradação moral do indivíduo e o caos na vida humana. Agora, observe que no século XX surgiram religiões e fraternidades que pregam o ecumenismo, a reunião (não a união) dos credos, a tolerância; também, milhares de religiosos e sacerdotes estão sentando numa mesma mesa para discutirem o futuro da humanidade; isto já é um começo tão revolucionário quanto à produção de clones! Quando que no século XIX, ou nos anteriores, haveria duas religiões dialogando sobre os problemas sociais?! Jamais! Contudo, ainda estamos longe da irmandade, mas chegaremos lá; isto é apenas o começo. Enfim, para quem não sabe, já estamos vivendo plenamente o Apocalipse, a Nova Era, a Era de Aquário, ou seja lá o nome que deseja batizar esta maravilhosa transição da sociedade humana. .