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SOBRE "INSTANTES" DE JORGE LUIZ BORGES

Otávio Azevedo

Um dos artigos mais aclamados de Universus foi o comentário "Sobre Instantes de Jorge Luiz Borges", publicado em 07/95 (Universus no 11), que reproduzimos a seguir:

INSTANTES

Jorge Luiz Borges

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

O argentino Jorge Luiz Borges, falecido na Suíça em 1987, é considerado um dos maiores escritores deste século.

COMENTÁRIOS...

Se JLB tivesse que nascer novamente, não poderia repetir o Sol em Virgem, pois cometeria as mesmas precauções. Tornaria a sair com termômetro, guarda-chuva e pára-quedas, voltaria a comer lentilha e não nadaria em rios por medo da poluição. Voltaria com a mesma mania de perfeição e dificuldade para relaxar. E por mais que tentasse ser sugismundo, retornaria mais higiênico do que nunca, seguindo as melhores vibrações deste signo.

Se JLB quisesse viajar mais leve, não poderia nunca voltar com Saturno em Sagitário, ainda mais em oposição a Plutão, pois voltaria com a mesma tendência de viajar levando malas de chumbo, na mão ou na cabeça.

Se JLB quisesse renascer com menos problemas imaginários, seria bom nascer numa hora diferente, de preferência longe do amanhecer, evitando preencher a Casa-12, pois voltaria ligado ao mundo do imaginário. No entanto, não seria um dos maiores escritores deste século, e não conseguiria escrever "FICÇÕES" e outras obras que o imortalizaram, posto que "ter problemas imaginários" é um pressuposto básico de um escritor que desenvolve obras de ficção. O que é escrever um livro senão um grande problema imaginário?

Se JLB quisesse ter mais problemas reais, poderia voltar com Saturno numa casa mais definida, quem sabe na Casa-06. No entanto, neste e em qualquer outro caso que lhe propiciasse "problemas reais", como almeja, seria impossível tornar-se mais relaxado, como também deseja.

Se JLB tivesse que nascer novamente, não poderia vir com a quadratura de Sol-Urano, porque aí, mais uma vez, não conseguiria dar à sua vida um molde permanente, desejo incoerente que expressa em "INSTANTES", uma vez que na ânsia modificar um antigo padrão, acaba visualizando outro, que não deixa de ser uma nova prisão com diferente matiz. A verdadeira liberdade implica na ausência de moldes.

Se JLB tivesse que nascer novamente, nunca poderia retornar com a oposição de Saturno a Plutão, onde a visão da morte traz a dor do passado, não pelo que se foi, mas pelo que não se foi. Senão, quando voltasse a sentir o hálito da morte, JLB tornaria a compor um novo "INSTANTES", demonstrando como teria sido em vão sua vida caminhando descalço, contemplando amanheceres e entardeceres.

Se JLB quisesse renascer para ter apenas bons momentos, certamente seria melhor encontrar outro mundo. Neste mundo de Deus, onde as coisas se formam pelo contraste da polaridade, só a existência de "maus momentos" pode formar o quadro negro onde se pode escrever "bons momentos". Como poderia JLB saber que alguns momentos são bons se não passasse pelos maus. No quadro negro da vida, assim como no colégio, a área negra do quadro é sempre muito superior à área branca, escrita a giz. Isso faz parte da sabedoria da vida, já que são os "maus momentos" que nos fazem avançar no caminho.

A uma visão apurada, JLB está fazendo um hino de louvor à sua vida, à vida que teve, através de "INSTANTES". Caso tivesse mesmo detestado esta coisa magnífica chamada "vida", não estaria terminando a sua tão ávido por retornar. Estaria, antes disso, exultante por partir, não querendo nunca mais voltar. Ao idealizar uma situação contrária à que viveu, está apenas elaborando um quadro negro imaginário para escrever e reforçar a história da sua própria vida.