Artigos

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

Antonio Carlos S. Harres "Bola"

Todos sabemos que esta é a primeira vez que um brasiliano ao invés de um brasileiro chega ao poder. Brasileiros foram todos os outros que o antecederam no cargo: profissionais da nacionalidade, herdeiros dos traficantes da madeira cor de brasa, ancestrais dos donatários, cúmplices dos que há cinco séculos espoliam e sangram sem cessar as riquezas deste continente de Pindorama que, se compartilhadas, jamais produziriam tantos milhões de famintos.

Vênus e Marte do dia da posse fazem conjunção - o primeiro exato, o segundo aplicativo - a Plutão do dia da posse da Terra das Palmeiras pelos portugueses, em 01 de maio de 1500.

Espantados a tudo assistiam aquela humanidade nua, descendente dos mongóis, que, atravessando geleiras, chegaram quem sabe por instinto, quem sabe guiados por estrelas (se é que estas coisas se distinguem) a este lugar que não é segundo a nenhum arremedo de paraíso. Que outra coisa poderia significar este casamento de opostos, do conteúdo e da forma, da aparência e essência, do desejo e consciência, do continente e conteúdo senão o retorno à origem, a devolução para aqueles homens e mulheres que se confundiam com a própria natureza e que mais tarde, misturados a brancos e negros, dariam origem a vagas sucessivas de mestiços que num trabalho paciente de água mole em pedra dura, conseguiriam abrir passagem para que um de seus filhos ocupasse um lugar exclusivo dos privilegiados.

Esta conjunção de Vênus e Marte a Plutão em Escorpião é também um símbolo de ressurreição, de imortalidade, um sinal de que os ideais não morrem mas vão assumindo novas formas que se repetem. Não importa se o sacrifício foi de Joaquim José da Silva Xavier ou Wladimir Herzog, todos os martírios - famosos ou anônimos - pela devolução destas terras a seus legítimos donos, finalmente se equacionam: a serpente morde a própria cauda, início e fim se encontram, para que um novo começo seja possível. No dia 01 de janeiro de 2003 o Brasil colônia deu seu último suspiro. Nenhum artifício mais poderá lhe prolongar os dias, não haverá pulmões mecânicos ou circulação extra corpórea que lhe mantenha o pulso e sua morte irá permitir que não mais continuemos a viver em arremedos de independência, onde o colorido verde amarelo maquia a face da malvadeza que confunde a cosa nostra com a coisa pública.

Mas não é só isso que contempla a comparação do céu da posse de 2003 com aquele de 1500: o senhor do céu constelado, Urano, aproxima-se pela sexta vez do último grau de Aquário - o primeiro da Nova Era - não deixando qualquer sombra de dúvida que o início do novo governo inaugura a marcha irreversível desta nação ao seu destino de ser palco da instauração do governo mundial (do qual a ONU é hoje apenas um tubo de ensaio). Urano estará ainda a três graus além do Plutão e Júpiter estará a dois graus da conjunção do Urano que assistiu à execução do líder da inconfidência mineira que já em 1789 afirmava que poderia "suceder que nesta terra se fizesse uma república, e ficasse livre dos governos que só vêm ensopar-se em riquezas de três em três anos". Hoje, as missões do FMI nos visitam a cada três meses. Finalmente estarão germinando as sementes lançadas pelo alferes e regadas com seu próprio sangue.

A Lua, lá no final de Sagitário em oposição a de Gêmeos que iluminou tanto o nascimento da Colônia quanto da Independência, nos sugere que a partir de agora o povo tem um rumo, tem um norte, tem um centro maior em torno do qual girar. A alma coletiva nacional escolheu seu alvo, colocou uma meta, estabeleceu uma nova hierarquia de valores e de prioridades. Não mais o mercado, mas a justiça, não mais o oportunismo mas os propósitos, não mais vendilhões mas os defensores, não mais mentirosos mas a sabedoria do povo. Tenhamos paciência. Não poderia ter levado menos de vinte anos a gestação de uma resposta definitiva a uma dominação de quinhentos e esta recém nascida liberdade não aprenderá a caminhar por seus próprio meios tão depressa. O pau de arara de Pernambuco só poderia mesmo tomar posse numa lua minguante pois, antes de mais nada, lhe caberá a tarefa de fechar a tampa. O último dos virtuais Braganças que vêm se sucedendo no cargo máximo do país lega-lhe uma dívida a qual não se furtou em acrescentar mais alguns milhares de dólares, levando, ao apagar das luzes de seu desgoverno, a família a um nababesco passeio turístico ao Velho Mundo.

Patética despedida do exilado político que se travestindo de mantos e togas imagina-se o rei que gostaria ser, tripudiando com seus trajes doutorais os andrajos com que se veste o país que lidera. Aqueles que resistiram até aqui quero me declarar ainda assim satisfeito por ter vivido para assistir ao último ato do Brasil Colônia. Não me importa muito quanto possa errar o novo governo e os que o vierem a suceder pois para guias de caravanas como os que se reúnem à sombra desta torre de babel digital, miragens de oásis não mais nos enganam, areias movediças não nos ameaçam. Para a viagem que no primeiro de janeiro começou deve-se levar apenas aquilo que cabe sobre a corcova de um camelo. Contentar-se cada um com o que é essencial será a fórmula simples de colaborar. O féretro colonial é descomunalmente pesado e os cinqüenta milhões que decidiram por seu definitivo sepultamento têm que continuar a oferecer seu ombro pois talvez outros vinte anos sejam necessários para que a nação que irá renascer das cinzas quando o Sol chegar em breve a dez graus de Capricórnio, alcance a maioridade.
Liberdade ainda que tarde...