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EQUINÓCIOS, SÍMBOLOS DA VIDA E DA MORTE

Luiz Claudio Moniz

No dia 22 de setembro, às 19 horas, 52 minutos e 12 segundos (na cidade do Rio de Janeiro) estará começando uma nova estação. É o momento em que o Sol, em seu movimento aparente, passa do hemisfério norte para o hemisfério sul, cruzando a linha do equador. Tal fato caracteriza o equinócio, período em que os dias e as noites têm a mesma duração. Aqui, no hemisfério sul, desponta a inigualável primavera. É a época em que a natureza se abre como uma grande flor, exalando o seu perfume e atraindo para si pássaros e insetos, que se encarregarão de espalhar a vida por toda parte. É o equinócio de primavera. Lá, no hemisfério norte, o outono se faz presente através da paisagem avermelhada como um grande pôr-do-sol. As folhas caem, cobrindo a terra tal qual um manto, belo, porém fúnebre. É o equinócio de outono.

Portanto, os equinócios trazem a idéia de início pelo simples fato de anunciarem a vida (primavera) e a morte (outono), cujos clímax se dão respectivamente no verão e no inverno, ou seja, nos solstícios. Por esta razão, muitos ritos de passagem aconteciam nestas épocas, como ainda acontecem, principalmente no que se refere às consagrações dentro de ordens e irmandades secretas em todo o mundo, herdeiras legítimas das tradições antigas que remontam aos tempos em que os homens viviam em total harmonia com o cosmo.

A partir desse simbolismo, o eixo equinocial formado por Áries e Libra pode ser comparado à linha do horizonte, fronteira entre o céu e a terra. No signo do carneiro, o astro-rei surge imponente, impregnando a abóbada celeste com suas cores quentes. É o nascimento do ego, a promessa de grandes conquistas, quando as potencialidades do indivíduo são vislumbradas e canalizadas. O momento é de se lançar ao encontro dos desafios com paixão e energia, conhecendo e afirmando a personalidade. Os objetivos precisam ser alcançados para que se possa dar forma aos referenciais que orientarão todos os novos começos. Aqui somos independentes, pioneiros, egocêntricos, vibrantes, confiantes, verdadeiros gladiadores em busca da glória. Tão embevecidos estamos com tanta luz que não conseguimos perceber os outros e suas necessidades. Eis a exaltação do Sol, a exaltação da própria essência.

Marte, o planeta regente, é o deus romano da guerra, o herói que ultrapassa com garra e entusiasmo as barreiras impostas pela existência. Ele personifica o nosso lado guerreiro que luta movido por um instinto ancestral de sobrevivência. Desde cedo, esse corajoso filho de Júpiter tomou gosto pelos combates e se tornou uma das divindades mais cultuadas do Lácio, chegando a ter inúmeros templos erigidos em sua honra e louvor.

No signo da balança, o luminar dourado desaparece lentamente em direção ao mundo das trevas, onde irá descansar e se reenergizar para uma nova jornada. É o pôr-do-sol, a morte simbólica da personalidade. É o fim do indivíduo como ego e o seu nascimento como cônjuge, onde a lição a ser aprendida é o compartilhar. Aqui precisamos abrir mão de nossos desejos egoísticos para nos conscientizarmos de que temos um limite e que as outras pessoas também têm as suas vontades e como nós precisam vivenciar suas potencialidades. Aprendemos que sacrifícios se fazem necessários para que haja uma vida em comum saudável e plena. É a troca, o diálogo, a compreensão mútua. Assim se explica a queda do Sol nesse pedaço do céu.

Libra é o signo cardinal do elemento Ar, que dá o primeiro passo em direção ao relacionamento, portanto também um signo iniciático. Seu planeta regente é Vênus, a deusa do amor e da beleza. Segundo uma das variantes do mito, Saturno após castrar seu pai Urano, atirou os despojos ao mar, dando origem a uma espuma branca da qual surgiu a divindade.

Vênus, apesar de casada com o deus ferreiro Hefesto, se apaixonou por Marte. Seu amor no entanto foi descoberto e desmascarado pelo marido traído, que com o auxílio de uma rede invisível e inquebrável, prendeu os dois amantes expondo-os aos olhares divertidos dos demais deuses olímpicos. Áries/Marte e Libra/Vênus são energias opostas que se atraem e se complementam. Descrevem a magnífica dança cósmica, responsável pela manutenção de todo o universo, assim como os equinócios, que sempre trazem o início dinâmico de uma nova estação. Sob a égide da vida e da morte, primavera e outono se repetem infinitamente, reafirmando o caráter cíclico que rege as nossas existências, ao mesmo tempo curtas e eternas, mortais e divinas.

CRIANÇA: O LOUCO EM CADA UM DE NÓS
Não se trata de mera coincidência, o fato do "Dia da Criança" ser comemorado num período que pode ser chamado (a grosso modo) de equinocial (primavera no hemisfério sul e outono no hemisfério norte). O arquétipo aqui contido é o da iniciação, já que ambas as estações dão o pontapé inicial nos ciclos respectivamente de vida e morte. Da mesma forma, a criança simboliza o começo (ou o recomeço) da existência, o ser que traz em si mesmo todo o potencial criativo, como o próprio termo indica, em estado latente.

No Tarot, podemos relacionar a criança ao Arcano 0 (ou XXII), O Louco, aquele que inicia a grande jornada. Ele é o zero e, segundo Crowley, "representa o Negativo que está acima da Árvore da Vida, a fonte de todas as coisas". A ele ainda estão associados o elemento Ar e a letra hebraica Aleph. A relação entre o ar e o começo da vida é bastante óbvia e está praticamente descrita na maioria dos textos religiosos e mitológicos, onde um deus criador sopra seu divino hálito nas narinas da criatura primordial, ou melhor, da criança primeva (assim o foi com Javé e Adão, Prometeu e o homem, Hefesto e Pandora etc...). Quanto à letra, seu significado é boi, mas sua forma é a de uma relha de arado, cuja função é a de abrir os sulcos na terra, ou seja, de iniciar o processo que dará origem ao novo. Dentro do contexto de O Louco de Crowley, podemos encontrar vestígios de vários mitos e lendas que lidam com o aspecto pueril e altamente prolífico, contido no arquétipo. Entre eles estão Dioniso, o filho de Zeus e Sêmele; o homem verde da primavera; o grande louco dos celtas; Percival; e o deus crocodilo Sebeck. Na carta, a deidade do vinho começa a jornada através da mistura básica dos dois elementos primordiais: o Fogo/yang e a Água/yin. Tal alquimia acaba por gerar as espirais que surgem do seu coração. Vários símbolos de vida (caduceu, pomba) e morte (borboleta, abutre) se alternam. O tigre, que aparece do lado direito da lâmina, assim como a pantera e o lince, é uma fera ligada ao simbolismo de Dioniso. Sua ligação com o elemento Ar, o elemento de O Louco, reside no fato de ser também um animal associado ao deus-vento Zéfiro. De acordo com Hans Biedermann, em seu "Dicionário ilustrado de símbolos", "na antiga China, era o animal simbólico do terceiro signo do Zodíaco, que corresponde aproximadamente ao de Gêmeos" (signo do elemento Ar). O crocodilo, no lado esquerdo da carta, está diretamente associado à criatividade. Já o fundo amarelo (na verdade amarelo claro brilhante), uma cor ligada ao Sol, é a cor do caminho de Aleph, relativo ao Arcano 0 na Árvore da Vida (a linha que liga as Sephiroth Kether e Chokmah).

No baralho da Golden Dawn, Mathers colocou um pequenino totalmente nu colhendo uma flor de uma árvore, tendo a seu lado um lobo. Aqui vemos de um modo totalmente claro o símbolo da simplicidade natural e da inocência. De acordo com Robert Wang, "...a criança e o lobo são o equilíbrio entre criador e destruidor e constituem a primeira afirmação no Tarot do princípio de que todas as coisas contêm seus opostos, a verdadeira chave para os estudos esotéricos". De fato, assim como O Louco é o 0 e o XXII, o início e o fim, na mitologia nórdica Odin, a vida, é destruído pelo lobo Fenrir, a morte, juntamente com todas as divindades e seus inimigos, no episódio denominado Ragnarök, o crepúsculo dos deuses. E, após tal apocalipse, a natureza renovada voltará a produzir por si mesma. Isso significa que ao nascermos trazemos em nós mesmos o estigma da morte (o grande poeta já havia dito: "somos cadáveres adiados") e, é claro, do renascimento.

O saco trazido pelo bobo da corte no Tarot de Marselha (e na grande maioria dos tarots) é um ótimo símbolo para o Zero, pois nele estão contidos os quatro elementos misturados, que no Arcano I, O Mago, surgirão já separados e discriminados, prontos para serem manipulados. Tal cena nos remete às cosmogonias antigas e também às atuais (como a teoria do Big Bang). No mito grego, no princípio era o Caos, massa disforme e altamente prolífica. Então, do Caos surgiram Géia, a Terra; Tártaro, a habitação profunda; Eros, o amor; Nix, a noite (as trevas exteriores); e Érebo, as trevas interiores que permeiam o Tártaro.

Juliet Sharman-Burke e Liz Greene, no seu Tarô Mitológico, a exemplo de Crowley, evocaram Dioniso para representar o Arcano 0. A lâmina apresenta o deus do êxtase saindo de uma caverna e saltando num abismo. No topo de uma árvore ao lado encontra-se uma águia pousada. Ao fundo, o Sol nascente brinda a cena com seus raios. Temos aqui o exato momento do nascimento. A caverna simboliza o útero, o pequeno caos no qual estamos misturados. Lá não existe a dualidade, tudo é uno. No ventre da mãe somos um com ela. O abismo é a vida, ao mesmo tempo temível e fascinante, mortal e atraente. A lei da gravidade nos chama, temos que dar o salto, o salto quântico, que nos fará mudar de status, assim como o elétron ao ganhar energia muda de nível. Agora entramos no mundo da polaridade, tal qual Adão e Eva ao comerem a maçã (o fruto do discernimento). O que antes era somente quente agora também é frio. O que era escuro tornou-se claro. Vida e morte se conjugam, se opõem e se complementam. A águia é um animal solar por excelência. Representa, entre outras coisas, o olho de Zeus (Hélio e posteriormente Apolo possuíam como epíteto "aquele que tudo vê"), a centelha divina, o espírito (na astrologia o Sol rege os olhos, o direito nos homens e o esquerdo nas mulheres), podendo ser também o anjo da guarda e/ou o instinto de sobrevivência. As roupas primitivas de Dioniso refletem sua natureza impulsiva e inconsciente. O deus é a criança cósmica, movida pelos instintos em direção à vida. O primeiro passo já foi dado.

No dia doze de outubro, portanto, comemora-se o "Dia da Criança", mas nós, adultos, também devemos celebrar essa data mágica com alegria, pois dentro de cada um de nós existe ainda uma criaturinha ávida por brincadeiras, apesar da vida ter a mania de nos afastar dela a cada dia que passa.

Na realidade, em relação a Deus (ou aos deuses, extensões da essência cósmica), não passamos de pequenos seres desprotegidos e inexperientes, em busca de uma evolução que, segundo os reencarnacionistas, se estende por inúmeras vidas. Estamos, cada um de nós, sob a vigilância atenta de uma águia, os incontáveis olhos do criador. Assim sendo, temos que empreender nossas jornadas individuais sem temermos o abismo, o tigre ou o crocodilo. Todos representam facetas importantes e cruciais da existência, sem as quais seria impossível o verdadeiro desenvolvimento. Isso nos dá certeza de que temos que dar o salto, não importando onde vamos cair, pois todas as vezes que enfrentamos os perigos com coragem, somos de alguma maneira recompensados. Afinal, devemos viver a vida, caso contrário, seremos vividos por ela.