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ENFORCADO OU PENDURADO?

Luiz Claudio Moniz

Uma das questões mais polêmicas que existem em torno do Tarot diz respeito ao Arcano XII. Muitos afirmam que o nome correto é "O Pendurado", querendo com isso, talvez, mostrarem-se detentores do real conhecimento. Há até aqueles que repreendem as pessoas que chamam a carta de "O Enforcado". No entanto, tal procedimento não traz contribuição alguma e, sim, uma grande confusão, além, é claro, de se constituir numa incrível perda de tempo. Na realidade, o que parece vir à tona é um desconhecimento acerca da hermenêutica (interpretação do sentido das palavras; interpretação dos textos sagrados; arte de interpretar leis; exegese), de filologia (estudo da civilização de um povo, num dado momento de sua história, através de documentos literários, escritos, por ele deixados) e principalmente de etimologia (parte da gramática que trata da origem das palavras). O que pode ser dito com toda a certeza é que os termos enforcado e pendurado no Tarot significam a mesma coisa. Esse fato pode ser comprovado quando utiliza-se o estudo comparado das línguas.

Em latim a palavra pendulus quer dizer tanto pendurado quanto enforcado. O mesmo acontece com o pendu francês. O termo grego kremannumi significa pendurar e/ou enforcar. Em alemão as palavras que designam enforcar são: aufhängen e erhängen; e pendurar: hängen, anhägen e aufhängen. É fácil perceber a raiz comum häng. Conseqüentemente, em Inglês, uma língua de origem germânica, to hang significa pendurar, enforcar, daí o Arcano ser nomeado "The Hanged Man", o homem enforcado, pendurado, supliciado (hangman quer dizer carrasco, ou melhor, o que inflige o suplício). Como os idiomas português e espanhol (ahorcado e colgado) possuem significados consideravelmente diferentes para ambas as palavras, houve esta pequena confusão. Além do mais, metaforicamente falando, estar enforcado não significa somente estar literalmente com uma corda no pescoço, significa também estar impossibilitado de agir, manietado, preso (costuma-se dizer que o homem casado está enforcado), etc.

Jesus Cristo, um dos grandes exemplos que se tem do arquétipo da vítima sacrificial (seja esta voluntária ou não) e, obviamente, do Arcano XII (assim também como da essência pisciana), não foi nem enforcado nem tão pouco pendurado pelos pés, foi, sim, crucificado, o que simbolicamente significa a mesmíssima coisa.

Acima de qualquer outro fato e, muito mais que o título da lâmina, o que importa realmente é a mensagem que a mesma traz em si. O indivíduo sacrificado, na verdade, simboliza o próprio ego, que por sua vez está associado ao Sol. O número doze nos remete, entre outras coisas, ao caminho percorrido pelo astro-rei tanto durante o ano (doze meses), quanto durante o dia (doze horas). Em ambos os casos o ego/sol é engolido pelas trevas e, conseqüentemente vivencia uma etapa de inatividade, cuja finalidade é, com esse retorno ao útero (que pode ser comparado ao inverno, o final do ano astrológico no Hemisfério Norte, época de hibernação; e à noite, período de inconsciência), uma reativação de suas capacidades criativas. Nesses momentos, o princípio masculino sai de cena, para que então possa surgir o feminino (o eterno restaurador) sob a égide de Vênus, que além de se exaltar em Peixes, tem um de seus domicílios em Libra, o ocaso arquetípico. Tal fato irá provocar profundas transformações, resultantes desse rito de passagem (representadas pelo arcano seguinte, "A Morte").

Continuando sob esta mesma ótica, podemos também relacionar "O Enforcado" com Héracles (o Hércules romano). O herói solar, após matar seus filhos e sobrinhos a flechadas (enlouquecido por Hera), resolveu se entregar ao primo, o rei Euristeu, no intuito de espiar seu hediondo crime. O monarca da Argólida, inspirado pela "rabugenta esposa de Zeus", vai pouco a pouco destilando o plano da megera através das doze tarefas. Durante esse período, Héracles está enforcado, preso ao primo e, obviamente, sob a sujeição de Hera, uma deusa, ou melhor, um poder que está além das suas próprias forças. Depois do último trabalho, o filho do rei do Olimpo finalmente está pronto para a morte (o Arcano XIII), através da qual atingirá a tão sonhada imortalidade, fato este consumado pelo casamento com Hebe, a juventude eterna (fusão que pode ser vista no Arcano XIV, "A Temperança", principalmente a do Tarot de Thoth, de Aleister Crowley, onde uma criatura metade negra, metade branca, mistura num caldeirão/útero os elementos correspondentes ao yin/feminino/água e ao yang/masculino/fogo). Esta é sem dúvida, uma das múltiplas interpretações da carta.

Assim sendo, tudo não passa de um problema, como já foi dito antes, de hermenêutica, de filologia e de etimologia, nada mais além disso.