Sonhos, meditação, adicção, paralisia... Poesia, hipnotismo, fanatismo, fotografia...
Novela, dissolução, traição, espiritismo... Música, oceano, devaneio, socialismo... É o caos
Você já acordou hoje?...
Se você é uma daquelas pessoas ditas "netunianas" (forte presença de netuno no mapa) é possível que a resposta à pergunta acima seja "não". Ao atuar nas nossas vidas, netuno nos lança no mundo das imagens, dos devaneios e afoga nossa autoconsciência. A forma de atuar deste planeta - segundo Robert Hand - é uma das mais difíceis de lidar e observar dentro do universo astrológico. É nebulosa, misteriosa, impalpável e atua insidiosamente sobre o psiquismo. Sua atuação lembra a lenta subida das marés: aos poucos vai inundando totalmente a área da vida influenciada. Quando percebemos, já estamos afogados!
Netuno rege as músicas suaves e ritmadas que têm efeito hipnótico, como "Bolero", de Ravel. Estados hipnóticos são usualmente associados a este planeta, e algo próximo a isso é quando estamos acordados, mas nos sentindo meio adormecidos, como se estivéssemos dentro de uma névoa, com pouca consciência dos nossos pensamentos e ações. Nesse estado nós ficamos aéreos, entorpecidos, esquecendo coisas e perdendo a noção do tempo. É como se estivéssemos drogados, incapazes de estar plenamente presentes. É o que popularmente se diz "estar no mundo da lua", o que seria mais apropriado dizer "estar no mundo de netuno".
O fator mais importante relacionado a netuno é que o princípio associado a este planeta se relaciona à transcendência das formas e à fusão imaterial. Através de netuno, buscamos sondar os reinos sutis da existência, onde não importam mais as limitações físicas e materiais. É através de netuno que buscamos dissolver nossas limitações, desamarramos as presilhas que nos vinculam ao mundo material e penetramos na dimensão das formas sutis, das imagens, dos sons, dos devaneios, da imaterialidade. De certa forma, é como se netuno buscasse nos remeter de volta àquele estado plácido e dissolvido que experimentávamos na vida pré-natal, onde, imersos no líquido amniótico, tínhamos apenas uma vaga consciência do mundo físico ao redor... Era o maior barato!
A busca da transcendência pode assumir várias formas, algumas com potencial para levar o indivíduo a altos graus de espiritualidade, e outras que podem levá-lo à degradação, especialmente quando a fuga da materialidade é buscada por meios artificiais. Assim, um estado netuniano induzido artificialmente é o provocado pelo álcool ou pelas drogas, especialmente aquelas que produzem algum tipo de alucinação ou dormência, como o LSD e a maconha. Este estado netuniano pode se parecer com algumas outras manifestações mais elevadas do planeta, mas, freqüentemente, libera energias reprimidas em nossa psique sem que tenhamos nos tornado capazes de assimilá-las, o que acaba interferindo na nossa capacidade de diferenciar a fantasia da realidade. As alucinações são relacionadas a esse estado netuniano que, em graus adiantados, nos remete às diversas formas de vícios e decadência, circunstâncias incômodas em que o princípio netuno aparece projetado na matéria.
Um estado netuniano natural em que todos mergulham diariamente é o sonho, já que aqui também não estamos conscientes e o nosso ego está completamente dissolvido no reino astral. Freqüentemente os temas que ocorrem repetidamente nos nossos sonhos são relacionados aos planetas aspectados por netuno ou à sua casa natural, a 12ª, seja no mapa natal ou por trânsitos.
Outro estado netuniano próximo a este é a fantasia ou devaneio, no qual nós novamente perdemos a autoconsciência, apesar de nossas percepções serem vívidas e nossas imagens mentais poderem parecer tão reais como o mundo ao redor. Este estado pode ser totalmente receptivo e nós não termos controle sobre as imagens que surgem, ou pode ser dirigido em parte por nossa mente consciente, como se nós escolhêssemos certas fantasias e participássemos ativamente do processo interior. É este estado que precede a criação de muitas obras de ficção e libera criativas soluções para problemas reais. Quando temos um certo grau de controle consciente sobre estas fantasias que surgem, este estado netuniano recebe o nome de inspiração.
Um complicado estado netuniano, que poderíamos reputar à atuação deste princípio nos níveis psicológicos, é aquele que provoca um constante senso de fracasso na vida. Sob uma intensa ação de netuno, o indivíduo, mesmo sem ter consciência deste fato, pode sabotar a si próprio, fazendo com que seus sonhos e metas se frustrem. É como se buscasse escapar de circunstâncias que o irão atrelar mais e mais aos aspectos materiais da existência, apesar de que, conscientemente, possa crer firmemente que deseja o sucesso que lhe foge sempre das mãos. Interessante notar que, algumas vezes, este padrão leva ao consumo de álcool ou drogas.
Avançando no reino de netuno, temos um estado que engloba tudo aquilo que pode ser denominado de "mediúnico" ou "psíquico". Neste estado, vamos encontrar o que usualmente é denominado de premonição ou percepção, onde recebemos imagens e impressões relacionadas a outras pessoas ligadas a nós ou a circunstâncias do futuro. Variando o grau desta expressão netuniana temos as manifestações mediúnicas, onde a perda parcial ou total da consciência torna o indivíduo um canal de manifestação de entidades ou energias do reino astral.
Num nível mais elevado de busca de transcendência temos um outro estado netuniano que é a meditação. E, associado a este estado, temos o profundo relaxamento que também é conhecido por "Estado Alfa", no qual nossa atenção é focalizada no interior, observando nosso processo interno. Devido ao fato de estarmos focalizados, nossa percepção é clara. Nós nos identificamos com o observador dentro de nós e assim nos capacitamos a perceber o que ocorre interiormente.
Caminhando em direção ao Divino que existe em nós, temos o estado de inspiração criativa, que é similar à meditação, já que também estamos focalizados, mas neste caso nós estamos focalizados num centro exterior. Nossa atenção está cristalizada, projetando o reino astral de netuno para fora de nossa consciência, através de formas externas. Nesse estado, assim como no estado meditativo, nós nos sentimos como se estivéssemos em transe. Nossos egos estão submersos dentro do subconsciente, emergindo mais tarde com uma maior clareza de consciência.
Mais adiante, temos o estado netuniano de "abertura do coração", no qual as dores e sensibilidades do passado podem cair sobre nós, mas é aqui que nós experimentamos considerável amor e compaixão pelas pessoas na nossa vida e pela própria humanidade como um todo. Como netuno é a oitava superior de vênus, através deste elevado estado netuniano a nossa sensibilidade se intensifica, o que nos torna capazes de transcender nossos desejos e necessidades individuais, amando a partir da divina fonte que existe dentro de cada um de nós.
Talvez o mais elevado estado netuniano disponível ao ser humano é a "experiência mística" ou "consciência cósmica", conhecido no oriente como samadhi, o bem aventurado estado no qual nós experimentamos a paz interior e nos sentimos unos a nós mesmos e ao Universo. Neste estado, nós transcendemos a nós próprios; nossos egos fundem-se com o Espírito ou Self dentro de nós, e, assim, recebemos o influxo da curadora e rejuvenescedora energia cósmica. Uma breve permanência nesse estado pode acordar nossa espiritualidade e, por um tempo, elevar nossa consciência do mundo dentro e fora de nós. Ser capaz de manter esta consciência cósmica por mais que uns poucos momentos ou horas é a experiencia da iluminação, que é a grande meta das religiões e filosofias orientais.
Se por um lado netuno encontra-se à vontade no mundo sutil das imagens, nas camadas amórficas (da não forma), nos mundos imateriais e em todos os reinos do misticismo, por outro lado costuma encontrar grandes dificuldades para manifestar-se no universo da matéria e das formas, freqüentemente atuando neste denso setor existencial de uma forma por vezes insidiosa, e quase sempre confusa e nebulosa. Sob a égide de netuno usualmente ocorrem "infiltrações" nas estruturas materiais e sociais onde o indivíduo "netunizado" atua, sejam estas estruturas sustentadas pela própria matéria, por leis, por costumes ou pela ética social e individual vigente. A conhecida Lei de Murphy - "Se algo pode dar errado, então dará" - tem conotação netuniana, assim como todos os processos entrópicos. Certamente não foi por acaso que o "Princípio da Entropia" (2ª Lei da Termodinâmica) e o planeta Netuno foram descobertos ao mesmo tempo! Esta lei física assevera que "no mundo material, tudo tende a se dissolver e busca o estado de máxima dispersão e dissolução, tendendo a um estágio final de completo acaso e indisponibilidade (ou inutilidade)"... Trocando em miúdos, tudo ao pó voltará, tudo tende a virar fumaça. Os hindus denominaram este caos existencial de maya (ilusão). Desta maneira, o fator netuno é um anti-saturno: trata-se do fator anti-forma, anti-posse, anti-comprometimento e anti-planejamento por natureza; seu efeito é de dissolução.
Apesar de estarem contidos e confinados no seu berço de terra, os oceanos (regidos por netuno) não têm uma forma definida e previsível, devido às ondas e aos constantes movimentos da massa líquida. Assim como os mares, as nuvens, a fumaça, os gases, são as partes do universo material sob a regência de netuno, justamente por não se adotarem uma forma definida, estando em constante mutação. Analogamente, as imagens do planeta Netuno tomadas pela nave Voyager na década passada, confirmam esta predisposição mimética que os astrólogos já haviam associado ao planeta desde o século passado: a superfície de Netuno é variável, mutante, com nuvens que se formam e se dissolvem sistematicamente. Duas fotos seqüenciais de Netuno apresentarão imagens diversas, nebulosas, apesar das cores prevalecentes.
Assim, não é de se espantar que os assuntos que dependam da existência e manutenção de uma "pré-forma", de um "pré-conceito", "pré-constituição" ou "pré-combinação" (explícita ou implícita), coisas como compromissos, sociedades, valores, expectativas, costumes, não costumam funcionar muito bem sob a égide de netuno. Quando tomados pelas ondas netunianas podem se dissolver como fumaça, ou como as nuvens.
Por tudo isso, não é uma boa idéia reforçar o senso de posse sob este princípio. Por ser a posse - de objeto ou de pessoas, através de compromissos - algo dependente de uma aliança, de uma estrutura, de uma lei ou de um comportamento social pré-existente, é possível que o objeto, os valores ou as pessoas sobre os quais depositamos nosso senso de posse se escoem por entre os dedos quando assolados por um panorama netuniano.
Para netuno não existe traição, roubo, engano ou coisas do gênero. Na verdade, netuno está a nos mostrar que nós nos enganamos e nos traímos permanentemente por depositar todas as nossas fichas neste mundo entrópico, de formas e ilusões que se desvanecem ao vento, o mundo de maya, como nos assevera o hinduísmo. No final, restarão apenas o pó, a fumaça, que, levados pelo vento, se dissolverão na totalidade.
Sob o enfoque socioeconômico, poderíamos colocar netuno como o regente do sistema socialista, em contraposição ao capitalismo, regido por urano. Apesar de utópico, o socialismo puro busca aniquilar o senso de posse individual: todas as coisas pertencem ao Estado (e até as pessoas, como vemos em certos países em que os cidadãos não têm liberdade para cruzarem a fronteira e se radicarem em outras terras). Como já vimos, sob o "fog" netuniano fica difícil assegurarmo-nos de qualquer tipo de posse, sejam bens ou pessoas (relacionamentos). Não é à toa que sob fortes injunções netunianas costumam ocorrer situações onde nossos parceiros - ou nós mesmos - não resistimos ao apelo socialista e "socializamos" nossas relações íntimas, ato que, na falta de um entendimento mais profundo, é denominado vulgarmente de traição e popularmente representado por chifres (ou cornos). É preciso entender que nestes momentos estamos passando em certos âmbitos de nossa vida de um regime capitalista para o socialismo, e, como se sabe, no socialismo nada é de ninguém.
Por almejarem o "útero primordial" através da dissolução, todos os estados netunianos estão relacionados entre si. Isso tem uma importante conseqüência para nós, caso desejemos lidar de forma adequada com netuno: à medida em que nos tornamos mais capazes de experimentar e canalizar a energia netuniana, podemos aprender a nadar através dos reinos regidos por este planeta, indo de um para o outro, o que é muito melhor do que continuar espalhando teimosamente as águas, numa tentativa de nos livrarmos da confusão, da dor e de fantasias indesejáveis.
Em muitos mitos da criação, tudo que existia antes era inominado, era o indiferenciado caos anterior ao nascimento da ordem, do mundo e da humanidade. No caos netuniano, nós estamos viajando dentro do caos primordial, de forma a criar uma mais alta dimensão em nós. Devido a essa fase de incubação, nós não devemos exigir muito dos planetas e casas influenciados por netuno durante seus trânsitos; e não devemos nos pressionar a funcionar tão eficientemente como o fazíamos no passado. Melhor seria confiar no nosso subconsciente e dar um tempo para nos prepararmos para o próximo estágio de desenvolvimento. Sob tais circunstâncias, o mais recomendável é aprender a viver na ambivalência e confusão, com importantes assuntos em suspensão, sem nenhuma resposta clara disponível.
