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NEM REIS, NEM RAINHAS

Célia Resende

É comum, por parte das pessoas que descrêem da Terapia de Vidas Passadas (TVP), afirmar que todo mundo afirma ter sido Cleópatra, sempre uma vida na pele de reis e rainhas, ou poderosos, gente famosa que encabeça a história da humanidade. Mas, na prática diária dos consultórios, a realidade é bem diferente, pois a maioria das regressões traz a história de gente simples. O mesmo afirmou a pesquisadora norte-americana Dra. Helen Wambach, quando revelou que nunca havia encontrado "um César ou Henrique VIII".

Eu também encontrei raros personagens que pertenciam à classe dominante de sua época, sendo o mais comum o cotidiano de camponeses, escravos, soldados, mendigos e até defeituosos físicos e dementes.

G. Cherques regrediu a uma vida num corpo demente, como filho de um servo de castelo medieval, Anete foi uma camponesa com grave defeito congênito que a obrigava a se arrastar por entre as ovelhas de um vilarejo no Oriente Médio, Reinaldo percebeu que sofria de alguma demência quando reviveu a maneira com que agrediu o prepotente dono da fazenda para quem trabalhava, e Pedro foi primogênito com síndrome de Down, e a família para que ele não a envergonhasse, o deixou recluso num celeiro.

Esses e tantos outros encontraram em suas trajetórias corpos ou mentes defeituosos, facilitando a compreensão de algumas das dificuldades que se refletiam na vida atual.

Voltar ao passado possibilita ainda o desenvolvimento da memória, com vivências que podem ser descritas de forma detalhada, numa perfeita retrospectiva dos hábitos da época, como... "Vejo uma lâmpada estranha de arame sobre uma mesa rústica, estamos dormindo sobre as esteiras e nos cobrimos com elas, que são feitas de feixes de palha amarrados na ponta. Acordo muito cedo para ajudar meu irmão mais velho a cuidar das ovelhas", esta é a descrição de uma vivência simples na pele de um menino, pastor de ovelhas, no oriente, há alguns séculos atrás. Ele continua "não vejo o meu pai, tenho seis anos de idade, e levo cerca de dez ovelhas para beber água, e meu irmão mais velho usa um cajado e me espanca sempre que faço algo errado. Tenho muito medo, porque uma ovelha se desgarrou e não a encontrei. Quando chego em casa ele me amarra a um pau enterrado no chão e me deixa ali por três dias. O sol é forte, mas minha mãe não diz nada, vem apenas em silêncio para me trazer água."

A grande maioria das pessoas regride em situações como analfabetos e ignorantes da realidade que os cercava, limitados pelos primários sistemas de comunicação que os isolava em estreitos horizontes, pelos guetos e vilarejos miseráveis.

Seres tiranizando ou sendo tiranizados, vivendo a miséria humana nos mais diversos aspectos, quando o desespero atinge a um grau insuportável. Podemos perceber o quanto foi sempre difícil sobreviver às grandes pestes que assolaram a humanidade, como aparecem em muitos relatos como os que veremos a seguir. Três irmãos abandonam a casa após a morte dos pais, durante uma peste que está exterminando a maioria da população. Existe uma guarda tentando impedir que as pessoas fujam para outras cidades levando a doença. A menina mais velha organiza a fuga e uma parte de seu drama é descrito pela paciente em regressão.

"A maioria está doente...aparecem manchas roxas no pescoço e depois vão ficando avermelhadas e abrindo em feridas que se espalham por todo o corpo... Eu vejo a minha criada assim, ficando amarela, até morrer. Os objetos e as pessoas são queimados... Ninguém entra ou sai da cidade... Tem muita gente morrendo... Tenho medo... Pela estrada pessoas tentam fugir, e adoecem e vão morrendo. Muitos moribundos pelo caminho, eu e meu irmão tentamos fugir por outro caminho, levando a nossa irmã menor. Ela tem oito anos e minha irmã morreu durante o seu parto. O resto da família morreu.

Esse caminho é muito perigoso...soldados tentam impedir que se chegue à cidade vizinha, eles fazem barricadas. Carrego um saco com as jóias da família, sinto muito frio e medo, está muito escuro e quase não enxergamos a estrada...

Quando amanhece estamos atravessando o rio, e eu posso perceber as manchas escuras que surgem no meu braço. Não tenho mais chance, decido então dar a meu irmão um pequeno pote com um pouco de veneno que trouxe. Assim, se eles vierem a adoecer, isso poderá livrá-lo e à minha irmã menor de todo sofrimento que a doença traz.

Ele hesita em me abandonar pelo caminho, mas eu o convenço. Quando eles seguem, e os vejo distanciar, eu tomo o veneno. É grosso e escuro, tem cor de chumbo, parece metal e tem gosto amargo e viscoso. É muito ruim. O efeito é rápido. A garganta começa a fechar e o meu corpo se contrai. Sobe uma forte dor pela cabeça e me falta o ar. Tudo escurece."

Outras vivências trágicas como essa, falam de pessoas que morreram quando o pânico diante das pestes faziam com que a lei vigente ordenasse queimar as casas, os pertences e os mortos, e muitas vezes o vilarejo desaparecia pelo fogo, inclusive com os vivos gozando a mais perfeita saúde.

As regressões mostram o sofrimento de pessoas comuns, suas dores em tempos difíceis, e muitas outras situações que nada têm a ver com a megalomania apregoada algumas vezes. Dos poucos casos de pessoas de maior destaque, encontrei um membro da família real responsável pela construção do Estado de Portugal e o filho de um rei dos países nórdicos, cujo pai é destronado pela revolução republicana. São dramas vividos com a mesma intensidade dos corpos anônimos e carregados de lições de vida, pois nessa dança das cadeiras alternamos experiências de poder e opressão, tendo a mesma oportunidade de aprender sobre as relações de poder e o equilíbrio entre elas.

Ao utilizar a terapia de vidas passadas, podemos resgatar a história individual e inclusive as vivências dolorosas da humanidade, os dramas e o envolvimento histórico: pessoas queimadas na Inquisição, assassinatos, crimes políticos, guerras, ódios, vinganças, traições, ou simples acidentes, dos povos celtas ao Egito antigo, passando pelos cenários da Grécia, na pele de camponeses, aristocratas ou marginais, enfim, aspectos da trajetória da humanidade contados por aqueles que os viveram.

Célia Resende é autora do "Terapia de Vidas Passadas" da Editora Record, de onde foi retirado este extrato.