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A DANÇA HOLÍSTICA

Manya Chara

Felizmente, vivemos tempos de profundas transformações em todos os setores da nossa cultura. E qual será o papel da dança dentro deste contexto de renovação de valores?

Na cultura ocidental, desde a criação do Ballet Clássico no século XV, salvo raríssimas exceções (entre elas as inesquecíveis Isadora Duncan e Ruth St. Dennis), a dança teve seu significado mais profundo e sagrado posto de lado para dar lugar ao tecnicismo. Um conjunto de passos e rígidas técnicas de movimento, que foram repetidos e transmitidos de geração a geração de maneira quase mecânica, criando um padrão de estética e perfeição que eu, particularmente, ousaria chamar de agressivo e desumano. Posturas anti-anatômicas foram desenvolvidas com o propósito de adaptar a apresentação dos bailarinos no palco à perspectiva de visão do público. Estes movimentos foram utilizados durante muito tempo (e ainda o são) e considerados referenciais de beleza e capacidade do dançarino. Aquele que quisesse se aperfeiçoar na arte da dança teria, portanto, que submeter-se aos rígidos padrões de estética impostos de fora para dentro, adequar-se a eles, deformar seu corpo, sua natureza, para, aí então, ser considerado apto. Foi esquecido o grande e principal significado de celebração e espontaneidade da dança e tolhido o potencial criativo dos dançarinos, que ficaram à mercê de uma ditadura imposta pelo academicismo. A dança dessacralizou-se...

Ainda nos dias atuais, lidamos, no meio da dança, com o preconceito acadêmico, que considera toda manifestação que fuja de seus inflexíveis critérios como "exclusivamente terapêutica" ou "de qualidade duvidosa". Assim, vemos até hoje, às vésperas do século XXI, que até dentro dos movimentos ditos "de vanguarda", o mesmo modelo caduco de abordagem da dança vem se repetindo.

Por que não há mudança? Por que mudam-se os passos, as músicas, os figurinos, mas não muda-se a dança?

Simplesmente porque o que precisa mudar somos nós. Não adianta mudar a linguagem, se não há uma mensagem nova... A verdadeira mudança não reside no fato de criarem-se passos ou movimentos novos e extravagantes, mas numa renovação da forma de abordar a dança.

A proposta da Dança Holística é favorecer esta renovação da dança, resgatando, sobretudo, a sua simplicidade e naturalidade intrínsecas. Reunindo elementos dos mais variados estilos de dança e práticas criativas de movimento a uma abordagem holística do ser humano, poderemos, então, restaurar a verdadeira natureza da dança, relembrando a dança que dançávamos quando éramos bebês começando a andar, descobrindo o mundo, abertos para a vida, para o novo, vivendo o momento presente, que é sempre único, sem preconceitos e expectativas. Lembraremos, então, que não estamos aqui apenas para repetir o que já foi criado, mas também para criar o novo, a nossa própria dança.

A partir de uma transformação profunda em nossos referenciais internos e da sua aplicação no cotidiano, poderemos então nos valer da técnica sem sermos tiranizados por ela. A técnica é que deve estar a serviço daquele que dança, e não o contrário.

Considero importante lembrar aqui que não faz parte das propostas da Dança Holística negar o valor da técnica nem rejeitá-la. Ela é de grande importância, quando utilizada dentro de um contexto de integração e facilitação da expressão genuína. É através do equilíbrio dinâmico entre os aspectos racionais e intuitivos inerentes à natureza humana que podemos encontrar a inteireza, que vai além do somatório das partes. Criaremos assim uma dança viva, que descobre a si mesma, a cada momento. Integrando corpo, emoção, mente e espírito, estaremos inteiros, plenos e desenvolvendo a intuição e o amor a nós mesmos, estaremos habilitados a irradiá-lo ao mundo ao nosso redor. Poderemos, desta maneira, ver a dança manifestar-se através de nossos seres, ao invés de simplesmente sentarmos em confortáveis poltronas de teatro para assistir a um espetáculo de virtuosismo mecânico e sem alma.

Acredite que você pode dançar, você deve dançar, você é quem cria. A sua dança é sua, é única, é singular... e aí está o seu maior significado e beleza. Você pode dançar e encontrar a si mesmo, usar o corpo para expressar-se, dar o seu recado e participar, assim, da grande dança cósmica. Essa é a verdadeira magia da dança!