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SOMOS TODOS VIDENTES

Claudia Araujo

Muitas vezes somos acometidos por ocorrências em nossa vida, que fogem completamente à nossa compreensão, e, para as quais, não encontramos uma explicação lógica, ou uma causa que a anteceda temporalmente. Quando isso ocorre, estamos adentrando o reino dos fenômenos acausais, ou sincronísticos.

Nesse pensar, o centro é o tempo e parece que o feito ocorre antes da causa, ou melhor, ambos acontecem conjuntamente, ao mesmo tempo, pois no fenômeno sincronístico não é feita distinção entre fatores psicológicos e fatores físicos. Neles, os fatos internos e os externos, estão reunidos, fazem parte de um mesmo conjunto, e é essa união que permite a ocorrência no fenômeno e sua percepção material.

Na sincronicidade, Jung enfatiza que o nexo entre causa e efeito é só relativamente verdadeiro, pois a ligação entre acontecimentos em determinadas circunstâncias pode ser diversa da ligação causal. Não é necessária uma lógica temporal que o justifique.

Esse modo de pensar possui uma certa semelhança com o pensamento primitivo, onde nenhuma distinção jamais foi feita entre fatos psicológicos e fatos físicos.

O fenômeno tempo é muito mais central na forma sincronística de pensar, isso porque nele existe o momento crítico, que é um certo momento no tempo, que vai surgir como elemento unificador, como um ponto focal para observação desse complexo de eventos. Esse momento unificador, reflete uma qualidade específica que promove a possibilidade da ocorrência dessa qualidade de complexo de eventos.

Os chineses jamais pensaram em termos de quantidade, e sim em termos de qualidade. Eles acreditavam que o universo tem provavelmente um ritmo numérico básico.

O fenômeno da sincronicidade se refere a essa forma chinesa qualitativa de pensar. Jung em seu livro "Sincronicidade", se reporta ao fenômeno da duplicação de casos. Esse é um fenômeno conhecido de qualquer terapeuta, onde de uma hora para outra, começam a surgir 2 ou 3 ou mais casos similares, como se estivessem nos reportando a uma certa qualidade de tempo que nos remetesse à uma situação específica. Geralmente, não se pode encontrar um nexo causal entre esses acontecimentos coincidentes.

Para que possamos entender a existência apriorística dos eventos, é necessário que entendamos o conceito de inconsciente, pois é ele que possibilita a existência desses fenômenos.

Jung entende por psique a totalidade de todos os processos psíquicos, tanto do consciente como do inconsciente, e a psique, então, seria formada por duas metades que se complementam, mesmo que suas propriedades sejam opostas. Nas duas esferas o nosso ego tem participação.

Da nossa vida consciente, fariam parte todos aqueles conteúdos que já teriam sido aceitos pelo ego sem prejuízo da imagem que entenderíamos como aceitável para o papel social que desejamos representar. A nossa vida consciente no entanto, só pode abranger uma quantidade muito restrita de conteúdos, e sendo assim, embora o ego tenha a impressão de que a totalidade dos conteúdos é percebida pela consciência, apenas uma parcela muito restrita diz respeito ao material consciente.

O resto desse material, vai para uma espécie de "depósito" que é chamado de inconsciente. Esse "depósito" contudo, não é composto apenas de material relacionado à nossa vida pessoal, qual seja, oriundo de experiências pessoais nossas, mas dele fazem parte imagens relacionadas a uma outra esfera da consciência, a que Jung denominou de Inconsciente Coletivo, e que compreende conteúdos que fazem parte da própria memória da humanidade, da soma das experiências universais. Essa herança humana universal, faz parte da base de todo o material psíquico, ela é mais antiga que a consciência e seus conteúdos são sempre atuais. Ela abrange modos típicos de reação da humanidade, desde a sua origem. Sua atualidade se refere exatamente a não linearidade do tempo inconsciente, ou ainda, ao tempo circular, quando o que está atrás, está também lá na frente, pois tudo se encaixa num esquema circular, sem passado, presente, ou futuro. Os mitos são oriundos dessa camada da psique, e sabemos o quão tolo seria falarmos em atualização do mito.

Assim, os sonhos, os contos de fadas e os mitos são resultados de criações espontâneas da psique humana, eles são imagens de nosso inconsciente. Essas imagens, assim como as associações de pensamentos que nos aparecem em sonhos não são criadas através de uma intenção consciente, donde podem ser consideradas como auto-retratos do processo psíquico que se desenvolve em nosso inconsciente.

É daí que surgem as imagens arquetípicas, que são parte de um sistema vivo de interações entre a psique humana e o mundo exterior. Elas são uma resposta ao mundo que desfaz a idéia de que existe uma separação entre interior e exterior.

Essa separação é apenas mais uma ilusão do ego, pois é tudo parte de um conjunto que reflete a psique como totalidade.

Na sincronicidade, está sendo vivenciado uma determinada qualidade de estado emocional que altera o espaço e o tempo no sentido de uma contração ou abaixamento de nível mental que opera uma mudança na consciência e que fortalece o inconsciente. Nesse momento, é como se a consciência fluísse para o inconsciente, e vice-versa.

O abaixamento de nível mental, é um estado que promove um esvaziamento da consciência. É como se um espaço que estivesse sempre e regularmente ocupado, se esvaziasse em conseqüência da alteração emocional, e por isso, fornecesse um recipiente para que os arquétipos do inconsciente constelassem. Nesse momento, o que era consciente, flui para o inconsciente, e conteúdos inconscientes passam a fazer parte do espaço da consciência. A esse fenômeno psíquico, costuma-se dar o nome de "abaissement de niveau mental".

É em cima desse fenômeno que operam os oráculos de um modo geral e ainda os clássicos casos de vidência.

Posso me recordar de um impasse que tive em minha vida, num determinado momento em que teria que tomar uma decisão séria, tanto à nível profissional quanto emocional. Eu me sentia numa verdadeira encruzilhada, pois qualquer decisão profissional que tomasse, afetaria minha vida emocional e afetiva, e vice-versa.

De um lado havia uma pessoa envolvida num determinado projeto que eu desenvolvia naquele momento, que era dois anos mais jovem do que eu, mas que eu "sentia" essa pessoa como muito mais jovem. Do outro lado, uma outra pessoa 5 anos mais velha do que eu, mas que em função da maturidade e conhecimento, eu sempre "sentia" como um velho.

Diante de minha angústia, um amigo me chamou pra consultarmos o I Ching. Naquele momento, a resposta que obtive do I Ching foi mais ou menos esta: "é o momento de deixar o homem mais jovem e seguir o mais velho, já que isso representará progresso para sua vida". Mais claro, impossível. Foi, na realidade, um grande susto. Efetivamente, o homem mais velho representava progresso.

Resultados desse tipo com os oráculos, não costumam ser adquiridos em momentos de "calma interior". Eles não propiciam o fenômeno do abaixamento de nível mental, e a conseqüente constelação de um arquétipo no inconsciente.

Inicialmente, os oráculos eram utilizados para que o homem pudesse se situar sobre o que Deus ou os deuses queriam. Em conseqüência disso, eles eram utilizados nas diferentes igrejas. Só mais tarde, é que eles passam a se constituir numa prática considerada "mágica". O homem buscava se apoderar do conhecimento de Deus por seu intermédio, ou saber o que Deus reservava para os homens. Assim, eles não se encontravam desvinculados do aspecto religioso.

Na realidade, o homem sempre associou o inconsciente à Divindade. Sempre e em toda parte encontramos narrativas sobre a importância que o homem antigo já dava à interpretação dos sonhos. Os sonhos eram umas das formas mais usuais de Deus falar com os homens, e sabemos hoje que os sonhos são a via régia de acesso ao inconsciente. Também os oráculos eram utilizados com essa finalidade.

O inconsciente detém o conhecimento absoluto, ele possui todos os registros não apenas dos fatos atuais e passados como os que se encontram relacionados ao próprio futuro, não apenas de um indivíduo particular, como de toda a humanidade, isso graças a não existência da linearidade do tempo (o tempo circular do inconsciente) , e ao inconsciente coletivo.

Dessa maneira, teoricamente, todos nós somos aptos a "acessar" esse conhecimento absoluto. No entanto, sabemos que possuímos um porteiro ou censor na figura do ego, que rejeita todos os conteúdos que considere inaceitável, mantendo-os no inconsciente. Seria necessário então ludibriar o ego para que tivéssemos acesso a esse material. Ele teria que ser colocado em repouso.

Isso é o que consegue fazer o processo onírico. Enquanto dormimos, nosso ego consciente se encontra em repouso, sua capacidade de censura é diminuída, embora não totalmente anulada. Os pesadelos surgem como uma maneira de afrontar o ego, e chamar atenção para situações que ele não quer permitir olhar. Os atos falhos também refletem um momento de "falha" do ego. Quantas vezes não "saltam" de nossas bocas, palavras ou frases inteiras que não teríamos dito em sã consciência? Tudo isso reflete uma 'falha' na atenção do ego consciente. Podemos visualizá-lo nesses momentos, como um porteiro que tivesse cochilado, e que nesse momento permitiu que o ladrão adentrasse no imóvel (inconsciente).

Também os videntes e médiuns necessitam desse ludibriar o ego para que possam acessar o inconsciente. Muitos oráculos se utilizam de padrões caóticos, que são uma das maneiras de se "distrair " o ego, e permitir o acesso ao inconsciente. O contato feito pelo médium ou vidente, é na realidade, o produto de um abaixamento de nível mental que se operou na sua própria psique, propiciando fazer a "leitura" de seu próprio inconsciente. Podemos considerar esse momento específico como sendo uma espécie de transe que faz com que esse material venha à tona.