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UMA VISÃO SOBRE THELEMA

Johann Heyss

A palavra grega Thelema, que significa vontade, nomeia e sintetiza esta corrente mágica e filosófica estabelecida no começo do Século XX pelo ocultista inglês Aleister Crowley.

Por mais simples que seja a palavra em si, seu significado contém várias camadas. Há uma diferença entre Vontade (co "V" maiúsculo) e vontade: a primeira vem a ser a necessidade primordial da alma, enquanto a segunda nada mais é do que uma elucubração da mente. A real Vontade está além da mente racional, pois o raciocínio é algo que se desenvolve através do cérebro, o qual é parte do corpo físico. Já a Vontade da alma é algo inato, que acompanha o indivíduo, no mínimo, desde o nascimento. A mente, neste caso, funciona como um entrave, o que não implica ser o raciocínio lógico sempre um inimigo da evolução humana - muito ao contrário. O domínio da mente é a matéria, e o domínio da alma é o abstrato: se estes princípios são compreendidos, ocorre a fluência e a interseção de ambos os mundos, material e metafísico.

Da mesma forma, a junção de Amor, Erotismo e Vontade se traduz como a mais perfeita das conjunções. Isto se confirma ao analisarmos a palavra Thelema e ao se comparar a mesma com outras palavras. Podemos fazer isto através da Gematria, um método da Qabalah (sistema místico judaico que é a base do misticismo e do ocultismo ocidentais) no qual as palavras são somadas e transformadas em numerais. Isto é possível porque a língua hebraica, que é a língua qabalística original, possui em seu alfabeto letras que são também números. O mesmo se dá na Qabalah grega. Assim, a soma das letras/numerais da palavra THELEMA (Qelhma) resulta em 93, número-chave para a filosofia thelêmica. Este mesmo 93 é o número resultante da soma da palavra Agape (Amor), daí "Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei" e "Amor é a lei, amor sob vontade", os dois axiomas essenciais para esta linha ocultista. Grandes mistérios estão contidos nestas simples frases. Contudo, a própria natureza da filosofia impede interpretações destas, o que, segundo o Liber Al vel Legis, a principal escritura thelêmica, gera "focos de pestilência". Isto se dá porque todas as escrituras religiosas acabaram por se tornar focos de pestilência, devido às estreitas interpretações de devotos, os quais são normalmente intransigentes e querem impor ao seu vizinho a sua própria concepção de Deus. A Bíblia Cristã já foi tão distorcida que a mensagem de tolerância e pacifismo de Jesus Cristo, um dos mais importantes avatares da Era de Peixes (tenha sido ele lenda ou personagem histórico) acabou por justificar as atrocidades de antitolerância que são parte documentada da História. O Alcorão, que eleva a alma e a mente como grande literatura e sofisticado sistema espiritual, acaba tendo seu nome borrado pelas atrocidades que grupos fundamentalistas - um eufemismo para terroristas - praticam, ainda na fronteira do século XX para XXI, devastações em países como o Afeganistão. Muçulmanos, Cristãos e Judeus se engalfinham por causa de Jerusalém. Tudo isto é resultado de interpretações variadas de escritura sagradas, as quais são tidas como definitivas manifestações da verdade. Sendo múltiplas as percepções da verdade, é evidente que haverá uma luta interminável para que se estabeleça uma verdade única, e isso é o que vemos na prática - o resto são quimeras, ilusões, castelos de areia. Detrás de cada religião se esconde uma força política, o que vem a ser a grande prostituição da espiritualidade do indivíduo.

Liber Al vel Legis, ou O Livro da Lei, como escritura sagrada do Novo Aeon, traz instruções cifradas de toda espécie, as quais devem ser descobertas por cada um. O que Liber Al me diz serve apenas para mim. A sua visão particular do mesmo livro trará as revelações necessárias para você. E se ambos começarmos a discutir o livro, haverá pestilência, ou seja, um de nós dois (ou sejam quantos forem envolvidos na discussão) irá se sobrepor aos demais, em sua visão do livro. A preponderância se dará seja por poder verbal, carisma, poder material, o que for, e daí nasce a corrupção. A descoberta e evolução espiritual são um processo solitário.

Alguns indivíduos podem apreciar a troca de idéias e a energia condensada de rituais feitos com parceiros. Ainda assim, o foco deve estar voltado para si próprio, com a consciência de que cada ser humano é um indivíduo único, dotado de metabolismo e leis próprias. A tentativa de moldar os homens num padrão é uma maneira de animalizá-los, de transformá-los em gado, uma manobra típica de sistemas políticos (amparados pelas religiões, que trazem os dogmas - verdades construídas artificialmente que devem ser aceitas como fato concreto). A palavra Vontade, em seu sentido mais profundo, representa a quintessência que deve ser descoberta e cultivada e a base de toda a filosofia à qual dá nome.

Por tudo isto, Thelema é um dos sistemas filosóficos mais indicados para o estado de consciência arquetípico que vivemos nos dias atuais, mas mesmo assim ocorrem distorções, pois a leitura depende muito do leitor. Thelema, por sua natureza mesma, não cabe em organizações, não cabe em regras, não cabe em sistemas. É o reconhecimento da total responsabilidade de cada um pelo cumprimento ou não de seu Dharma, sua verdadeira Vontade. Aleister Crowley não foi um homem cujos passos devem ser seguidos, mas sim alguém que em sua loucura (ou sã consciência) vislumbrou o estado essencial das coisas e de nossos tempos, o nosso Aeon.