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UM MERGULHO NO MUNDO SIMBÓLICO DO TARÔ

Nei Naiff

Fazer um estudante penetrar no mundo do tarô não é uma tarefa fácil. Primeiro, porque ele vem imbuído de uma visão mística de que uma "entidade espiritual" lhe revelará o poder cósmico do destino através de imagens que surgirão diante das cartas, seguido de vozes angelicais, mestres espirituais e sons divinos - uma verdadeira multimídia esotérica; segundo, porque ele não precisará saber nada além de decorar algumas palavras mágicas que seu mestre ensinará; e terceiro, a mais fatal, que precisará de uma iniciação ao tarô através de rituais diante dos arcanos com vela, taça, incenso e tudo a que tem direito; sem todos esses rituais as "cartas" não funcionarão. Estou brincando, é claro, mas algo do gênero sempre paira no nas primeiras aulas: a maioria das pessoas querem aprender a ler o tarô o mais breve e misticamente possível.

É difícil, eu entendo, para um estudante de tarô, absorver rapidamente sua engrenagem simbólica e filosofia. Temos que aceitar o fato de que estamos aprendendo uma nova linguagem, um alfabeto simbólico, uma leitura de planos holísticos. Mas, geralmente, os alunos querem saber como funciona na prática, sem terem a real dimensão de abrangência de um arcano ou seu próprio limite. O primeiro passo rumo ao verdadeiro conhecimento de um arcano se processa no estudo simbólico do mesmo; e o segundo passo decisivo se desenvolve na estrutura geral do tarô, de todo o arcabouço dos arcanos, discernindo a tarologia da taromancia, que são duas áreas distintas, mas impossíveis de serem desagregadas. Sem esses dois preciosos passos, não será possível chegar a uma leitura prática satisfatória ou à certeza de que se trilha caminhos verdadeiros rumo ao autoconhecimento e do oráculo.

O ESTUDO DO TARÔ

O estudo do tarô deve partir da análise dos símbolos, sintomas e atributos de cada arcano, seus parâmetros estruturais, todas as possibilidades de interpretações e suas manifestações. Sua história escrita, sua lenda, suas conjecturas. Aprendemos a evolução mecanicista de uma situação ou pensamento através da seqüência de seus arcanos, levando-se em pauta todos os caminhos de erros e acertos inseridos na estrutura do tarô. Porém, considero a parte mais gratificante da tarologia o rumo ao autoconhecimento a partir destes entendimentos. Observo que começamos a traçar melhor nossos objetivos e planejamentos tomando por base o conhecimento hermético contido no tarô. Cada passo da vida pode espelhar ou identificar um arcano regente e, conseqüentemente, observamos seu direcionamento para outro arcano, sintoma e evolução, podendo melhorar cada vez mais nosso ritmo pessoal.

A meditação com os símbolos do tarô, atualmente muito desenvolvida nos Estados Unidos, serve para equilibrar o cerne de nossa psique, buscar uma novo propósito de vida para um determinado momento, procurar um arcano que melhor se adapte às necessidades desejadas. Não como realização externa, mas sim como evolução interna. Também poderemos buscar um arcano que venha preencher, com uma nova visão, uma lacuna vazia em nossa personalidade, tentando formar uma nova persona individualizada e equilibrada. Na meditação com o tarô residem muitos aspectos referentes à psicologia junguiana, que se reporta sempre aos efeitos dos impactos simbólicos que ocorrem na personalidade humana. Este tipo de trabalho é visto como uma magia pessoal ou aprendizado espiritual da vida, e representa uma fórmula para nos adequarmos à nossa tão atribulada vida social e urbana.

A filosofia de vida através do tarô é um campo pouco utilizado conscientemente que ora se confunde com aprendizado espiritual, o profano com o sagrado. Ela se reporta às análises da vida. Para quem já esteve em contato com estudantes de tarô deve ter ouvido falar: "Tive que passar por uma torre para conhecer os erros de minha vida", "Preciso ser como o pendurado neste momento" ou "Estou numa fase de estrela". O que significa tudo isso senão uma auto-análise arquetípica? Ou seja, quem conhece um pouco do tarô sabe o que é certo e errado ou as conseqüências de determinados atos, sem precisar abrir o oráculo. Sempre ensino aos meus alunos que o autoconhecimento através do tarô somente é obtido para quem o estuda. Entendendo o tarô, seja de uma forma superficial ou profunda é possível atingir as análises filosóficas da vida, onde poderemos compreender os processos naturais, pessoais e cíclicos de qualquer situação, ou da própria evolução.

A LEITURA DO TARÔ

A leitura correta de uma determinada manifestação do arcano para um assunto em particular é fundamental. Fazemos análises semasiológicas para definir uma projeção natural dos acontecimentos pesquisados, observando como está se evidenciando no período determinado. Para toda esta aplicação necessitamos de uma metodologia. Sem um método adequado, ou melhor, a forma como as cartas são posicionadas perante um situação, é impossível ler o tarô e almejar uma resposta conclusiva. Os arcanos sozinhos são apenas um alfabeto simbólico, como nosso alfabeto de A a Z. Precisamos primeiramente de uma pergunta, aplicar um método adequado à questão, para que se obtenha o produto desejado, novamente como o nosso alfabeto, juntando as letras formamos palavras e frases; no caso do tarô, ilustramos histórias pessoais.

O campo de atuação mais conhecido do tarô é, sem dúvida alguma, nos jogos oraculares que são procurados pelo desejo, orientação ou curiosidade. Neste aspecto, o tarô é visto como uma arte mística e divinatória, muito mais a um nível intuitivo e mediúnico do que de estudo, pesquisa e análise. Independente do que se pense de um tarólogo, seus jogos servem para nortear nossos propósitos, orientar nosso livre arbítrio nas questões pessoais, sem contudo determinar uma única direção para o seu desfecho, pois na dialética humana sempre residirá a interferência dos seres envolvidos. Não há um fatalismo tendencioso neste oráculo; será sempre, quando houver, uma transformação necessária para o aprendizado pessoal e evolução espiritual.

A ESTRUTURA DO TARÔ

Apesar do empenho dos estudiosos, e da boa literatura que há escrita sobre o assunto, a origem do tarô permanece na obscuridade. Egípcios, chineses, indianos, hebreus e outras civilizações, foram indicados como os que teriam, em tempos bem remotos, concebidos as lâminas do tarô, por um legado divino. Há até os que acreditam em sua invenção na Europa Medieval, com o intuito de servir de diversão à corte real, mas ninguém sabe ao certo de onde vieram ou se foram desenvolvidas por um sábio iluminado na Renascença. Um fato indiscutível é que suas figuras agregam formas simbólicas de muitas civilizações, lendas, tradições e mitos, podendo ser transferidas para condições universais. Embora o tarô seja visto como modismo em nossa década, existem literaturas e estudos desde o século XIII, ou seja, temos quase setecentos anos de tradição ocidental.

O tarô é constituído de 78 arcanos, divididos em dois grupos: 22 arcanos maiores, um conjunto de símbolos estruturados com atributos evolutivos e sintomáticos, caracterizando-se pela complexidade ornamental; 56 arcanos menores, um conjunto de símbolos estruturados com atributos sinalizadores e secionados em quatro níveis, caracterizando-se pela simplicidade.

Os arcanos maiores se reportam à mente abstrata, ao mundo subjetivo, aos poderes da criação que a consciência manipula para seu universo; os arcanos menores se lançam à mente racional, ao mundo objetivo, aos poderes da concretização, independente da vontade e ação dos primeiros. Um se relaciona com a formação da VIDA e o outro com a manifestação da FORMA. Ambos os caminhos explicam a trajetória do homem, do seu nascimento à morte; ou a criação do próprio universo, de seu despertar ao seu adormecer; ou ainda as vias percorridas em alguma situação específica, seu avanço ou retrocesso, seu declínio ou progresso.

Os arcanos maiores são estruturados com 21 arcanos numerados e um arcano sem número, totalizando 22 arcanos; todos contêm nome e simbologia diferentes um do outro. Eles formam uma cadeia simbólica, individual e evolutiva, sempre com o arcano numericamente sucessor: o arcano 01, "O Mago" (livre-arbítrio, início), evolui simbólica e sintomaticamente, com todos os acertos ou erros presumíveis de uma determinada trajetória, para o Arcano 02, "A Sacerdotisa" (reflexão, passividade). Por sua vez o Arcano 02, "A Sacerdotisa", evolui para o Arcano 03, "A Imperatriz" (dedução, desenvolvimento), este para o Arcano 04, "O Imperador" (controle, autoridade), e assim, sucessivamente até o último arcano numerado - o arcano 21, "O Mundo" (conclusão, realização).

Complementando o circuito evolucional surge o arcano Sem Número, "O Louco" (nada, vácuo), revelando-se um elo de ligação entre o arcano 21 e o arcano 01, para a formação de uma nova fase de ação e/ou desejo. Este processo simboliza uma ponte entre o fim e o começo, o passado e o futuro, a continuidade da vida. Todos os arcanos maiores se reportam ao eterno ciclo natural da existência: começo-meio-fim... nascimento... começo-meio-fim... nascimento... e assim eternamente na vida humana e cósmica.

Os arcanos menores são estruturados em quatro séries de 14 arcanos, com 04 arcanos denominados de "A Corte": Pajem, Cavaleiro, Rainha e Rei, e mais 10 arcanos numerados de 01 (Ás) a 10, totalizando 56 arcanos. As quatro séries - Ouros (plano material), Espadas (plano mental), Copas (plano sentimental) e Paus (plano transcendental), formam cadeias simbólicas sinalizadoras e lineares do Pajem ao Rei, seguida do Ás ao 10. Ao contrário dos arcanos maiores, não têm função cíclica e delimitam a trajetória de um determinado plano: material, mental, sentimental ou espiritual. Embora a corte e os numerados tenham evolução entre si, cada qual representa um aspecto individual e particular de manifestação da série correspondente; a corte também pode simbolizar personalidades ou pessoas; contudo, dão uma visão mais ampla da situação.

Um fator interessante nos arcanos menores é que temos dois conjuntos distintos e autônomos: dezesseis arcanos da corte e quarenta arcanos numerados; porém, se retirarmos o simbolismo dos quatro elementos (Terra, Ar, Água, Fogo) contidos nas cartas dos naipes de Ouros, Espadas, Copas e Paus, restarão somente 4 figuras distintas: Pajem, Cavaleiro, Rainha e o Rei, e mais dez cartas numeradas de 1 (Ás) a 10. Na realidade, temos somente três fatores simbólicos para serem analisados: as figuras da corte, a seqüência numérica, e ambas tendo como pano de fundo os quatro elementos: Terra (Ouros), Ar (Espadas), Água (Copas) e Fogo (Paus).

Resumindo: A intenção da psique ou do destino (arcanos maiores) numa relação direta com seus objetivos (arcanos menores/naipes) se manifesta numa personalidade ou situação (arcanos menores/corte), para realizar um plano de ação ou uma trajetória natural (arcanos menores/numerados). Por Exemplo: penso e tenho (ou não) condições de comprar um carro - representado pelos atributos dos arcanos maiores; adquiro (ou não) o veículo - representado pelos atributos dos arcanos menores; contudo o carro por si só não se transforma, dependerá de minha ação no plano mental (atributos dos arcanos maiores), para reformá-lo, vendê-lo, ou outra coisa qualquer no plano real (atributos dos arcanos menores). Outro exemplo: estou desejando (posso conseguir ou não) me casar (arcanos maiores), consigo (ou não) namorar e casar (arcanos menores), todavia dependerá de minhas atitudes e comportamentos (arcanos maiores) a manutenção do namoro ou do casamento (arcanos menores); somente o compromisso verbal ou a certidão de casamento não garantirá a felicidade. Assim poderemos observar que na estrutura do arcanos menores haverá sempre uma direção determinada pela força dos arcanos maiores.