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URANO E O LEMA DA REVOLUÇÃO FRANCESA

Otávio Azevedo

"Quem primeiro pensou que a liberdade e a igualdade podiam se entender era um idiota ou um charlatão; a igualdade está tão longe de concordar com a liberdade que a exclui."

Marquês de Custine

Uma grande falácia, algumas vezes observada no meio astrológico, é atribuir os três ideais do lema da Revolução Francesa - "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" - ao princípio associado ao planeta Urano, que sincronicamente foi descoberto na mesma época. Dos três itens constantes nessa declaração, apenas a liberdade diz respeito a urano. As demais se enquadrariam melhor no princípio netuno.

Urano rege exatamente a diferenciação. É apenas através da desigualdade que podem surgir atos criativos, uma vez que a criação depende fundamentalmente da interação de polaridades diferenciadas. É apenas por haver desigualdades que podem ocorrer raios, terremotos e revoluções, todos fatores uranianos. Se houvesse um perfeito nivelamento das placas tectônicas, terremotos não ocorreriam; da mesma forma, se o potencial elétrico das nuvens e da terra fossem iguais, não teríamos os raios.

Urano rege a necessidade de individualização, de tornar-se alguém único, singular, e as rupturas necessárias para se alcançar este estágio. O princípio que rege o nivelamento, a desidentificação e, portanto, a igualdade, é netuno. A dissolução do ego e das formas torna todas as coisas iguais. E por ser regida por netuno, a igualdade trata-se de uma utopia no nosso mundo manifesto. No plano da dualidade, a igualdade seria o fim de qualquer possibilidade criativa.

Cada ser humano traz a semente da sua própria vida, do seu próprio desenvolvimento, um projeto tão particularizado quanto sua impressão digital. Todos somos maravilhosamente diferentes. Somos seres diferenciados, com toda grandeza que isso significa. Ninguém é igual a ninguém. A "igualdade", seja de oportunidades, recursos, meios ou fins é um mito, um mito que redundou em teorias econômicas e políticas que acabaram se tornando o maior fiasco destes últimos séculos. A vida é feita da diferenciação, da desigualdade, do desnível. E é graça a este desnível que existe a criatividade, as cores, a beleza. A desigualdade reside no próprio fator que origina a vida: o sexo. Se houvesse a igualdade, o mundo seria monótono e cinza, uma Natureza apática e improdutiva.

No nosso mundo, a igualdade é tão antinatural e inexistente que bastaria imaginar algo belo: uma borboleta, uma flor, uma mulher, um homem, uma estátua ou um quadro; que são belos na sua singularidade. Porém, se nos víssemos rodeados por milhões de borboletas, flores, mulheres, homens, estátuas ou quadros que fossem todos iguais, cairíamos na aberração psicológica, no tédio e, enfim, na loucura. Necessitamos de profundidade e de sentido, e no meio dessa diabólica multidão, nos sentiríamos sós.*

Voltando ao lema da Revolução Francesa - "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" - de certa forma essas três condições são incompatíveis entre si. Em primeiro lugar, porque não há nada mais contrário à liberdade do que a igualdade. Em segundo lugar, para haver fraternidade é necessário que hajam desigualdades. Fraternidade é um movimento de compensar diferenças que podem existir em vários níveis, especialmente no plano social, e isso implica no necessário pressuposto da desigualdade. Um doente terminal não pode ser fraterno com outro na mesma situação, pois nada pode doar que compense o sofrimento alheio, já que é vítima do mesmo mal: só existe a fraternidade quando é possível um movimento compensatório de diferenças. Por isso, liberdade, igualdade e fraternidade parecem brigar entre si. São coisas incompatíveis.

No plano social, muitos acreditam - de uma forma simplória - que as desigualdades são geradas pela falta de oportunidades. Aqui também existe uma falácia. Assim como não podem existir pessoas iguais no nível físico, psicológico ou espiritual, também seria antinatural o nivelamento de oportunidades, que nada mais é do que um dos níveis de manifestação, o nível material da existência. Uma circunstância existencial tem os mesmos atributos de uma circunstância física ou psicológica, por exemplo, que também constituem outros tipos de oportunidades. Achar que as oportunidades deveriam ser iguais para todos é o mesmo que achar que todos os rostos e mentes deveriam ser iguais. Diferentes circunstâncias de vida também são fundamentais no processo criativo da vida como um todo, como uma totalidade.

Vivemos num mundo dinâmico, onde a mudança e a busca da singularidade são fato. Como dizia Heráclito: "ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio..." A diferenciação se estabelece continuamente no tempo e no espaço, para que novas circunstâncias sejam criadas, trazendo vida e cor. A igualdade só se estabelece na morte, onde tudo se reduz a pó, escuridão e cinzas. Enquanto houver vida, manifestação, haverá a diferenciação.

A igualdade é um mito que se torna real apenas no mundo dos sonhos, no mundo imaterial de netuno, onde todos nos igualamos, como disse inspiradamente Calderon de la Barca: "Dorme, dorme mortal, que o grande e o pequeno são iguais até que durem teus sonhos".

*Citação de Jorge Livraga, filósofo e escritor.