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ENTREVISTA COM ROBERT HAND PARA UNIVERSUS - 1ª PARTE

por Susie Verde

A entrevista a seguir foi concedida por Robert Hand para o Jornal Universus, com participação especial de Gary Christen, presidente da Astrolabe, empresa produtora do programa Solar Fire. Foi realizada em 10 de Agosto de 1999 por Susie Verde, astróloga sindicalizada no SINARJ (nº 275), durante a realização do "Astrology in the 21st Century - Great Eclipse Conference" (A Astrologia no Século XXI - Congresso do Grande Eclipse), organizada pela "Associação Astrológica da Grã-bretanha", na Universidade de Plymouth, na Inglaterra, que foi cruzada pela linha do eclipse total de 11 de agosto de 1999. Susie Verde compilou e traduziu uma série de entrevistas com alguns dos mais renomados astrólogos contemporâneos.

SV: Você ficou famoso no Brasil através de seus excelentes livros que muito inspiraram e ainda inspiram a muitos astrólogos. Entretanto, você refere-se a este período como uma fase passada de sua carreira. Como você definiria seu trabalho atualmente?

RH: Esta transição já vem acontecendo há algum tempo. Eu sempre estive interessado em uma astrologia antiga e em história. O primeiro passo que tomei nesta direção foi o que chamo de "Capítulo Cape Cod", quando no meio dos anos 80, participei de um workshop de uma semana sobre a história da astrologia. O curso foi ministrado em conjunto com um grupo astrólogos, cada um responsável por uma parte do programa. Eu fiquei com a Era Greco-Romana e nós tivemos Robert Zoller [Renomado astrólogo americano, especialista em Astrologia Medieval] como responsável pela parte da Astrologia Medieval, estudo que ele desenvolvia há vários anos. Sua apresentação foi brilhante e, a partir daí, passei a desenvolver um grande interesse pelo assunto, muito embora nada tenha feito neste sentido por um longo tempo.

O próximo passo deu-se em 1992, na conferência UAC, nos Estados Unidos, quando um grupo de amigos juntou-se para discutir como recuperar a história da astrologia para astrólogos. Durante todos os meses seguintes, nós chegamos a um conceito do que depois tornou-se o projeto "Hindsight".

Na mesma época, durante aqueles encontros, foi fundada a "Associação para a Recuperação dos Textos Históricos de Astrologia" (ARHAT). Esta associação era composta de uma ligeira variação de pessoas que já participavam do projeto Hindsight, sendo que esta acabou ficando centralizada em mim.

Posteriormente, a Gold Mind Press teve a idéia de fazer as traduções dos textos, propondo que eu, inicialmente, funcionasse como figura-propaganda deste projeto para a comunidade astrológica. Entretanto, no correr do processo, acabei redescobrindo meu latim e tornei-me ativamente envolvido com as traduções. O ponto principal é que eu sempre estive interessado neste material, como sendo muito útil e relevante para todos nós e não como algo antigo. Na medida eu que estudava mais e mais, foi-se tornando claro para mim que ele era mais específico que a maioria dos métodos modernos astrológicos.

É claro que existe uma diferença na abordagem da astrologia tradicional, uma vez que nós não vivemos mais na Idade Média, não temos mais os mesmos interesses e não perdemos mais nossas cabeças por meio de machados voadores. Portanto, é necessária uma adaptação na maneira de aplicar-se este tipo de astrologia. Entretanto, paradoxalmente, a Astrologia Medieval, comparada com outros métodos modernos, parece trabalhar de maneira muito forte e viva. Na verdade, ela parece ter uma qualidade mágica muito mais acentuada que a Astrologia Moderna e este conteúdo mágico é evidente em sua linguagem.

Eu, gradualmente, comecei a perceber quais métodos eram importantes e úteis, adaptando-os na prática. Eu diria que sou ainda um astrólogo eclético, porém, muito de meu trabalho tem inspiração em textos de 1700. Eu faço, basicamente, uma mistura de técnicas árabes e clássicas, com propósitos modernos. O que faço numa consulta não é radicalmente diferente do que fazia antes, com exceção de que agora sou muito melhor em responder às perguntas práticas. Eu sou também capaz de praticar Astrologia Horária, que eu não fazia antes, e tenho tido ótimos resultados com Astrologia Eletiva. A astrologia tradicional é, de fato, muito melhor para aplicações, ao mesmo tempo que envolve muita beleza em sua parte teórica e filosófica.

Eu sempre estive interessado em novos estilos de astrologia, e sempre estudei tudo que passou em minhas mãos, e este material - Astrologia Tradicional - é o meu mais recente interesse. Estou agora convencido de que a astrologia tradicional será o fundamento da astrologia do futuro; entretanto, é claro que uma vez que a astrologia do futuro utilize tais princípios, esta não mais será tradicional, pois já estará incorporada ao modus pensanti. Existe uma contínua evolução do pensamento e prática astrológica; no entanto, temos que compreender que chegamos aonde estamos agora não por evolução, porém através do esquecimento. O que estamos fazendo agora é simplesmente "des-esquecendo" [Esta seria a forma adaptada para o verbo "to unforget", que seria, em português, recordar; porém, não carrega o mesmo sentido de negação que Robert Hand quis dar a seu comentário] estes conteúdos. É muito interessante notar que esta palavra é a tradução literal da palavra grega "aliteía", que significa "verdade" ["Truth", que em português significa verdade].

Verdade, então, seria o "des-esquecer", e nós estaríamos apenas relembrando esta tradição, através da adaptação de sua forma para um modelo mais significativo para nossa realidade, de maneira que esta se torne uma arte ainda mais poderosa. Se os princípios da astrologia tradicional são corretos, não existe nenhuma dificuldade em explicar a razão pela qual esta tem tão freqüentemente falhado em tentativas de submeter-se a testes científicos. Mais ainda, eu diria, sendo claro e honesto, que é tão difícil testar a astrologia tradicional quanto a astrologia moderna cientificamente. Isto se deve ao fato de que os métodos de medição científica são inadequados para lidar com estas matérias.

SV: Seu estilo atualmente parece conter uma forte componente de espiritualidade, conjuntamente à idéia de evolução pessoal. Você procura utilizar a astrologia como ferramenta para estes fins?

RH: Para responder esta pergunta, temos que analisar os fundamentos da astrologia tradicional em contraste à astrologia moderna. Esta última tende a estar fundamentada em filosofias que são, de alguma maneira, periféricas à corrente central do pensamento ocidental. Eu não pretendo soar crítico ao dizer isto, porém não creio que a maioria das pessoas refere-se a teosofia, por exemplo, como sendo um ramo central da filosofia acadêmica.

A astrologia antiga e medieval eram única e fortemente fundamentadas no pensamento comum da filosofia de sua época. Elas eram baseadas no trabalhos de grandes filósofos como Platão, Aristóteles, Pitágoras. Fundamentadas nestas linhas de pensamento, estão as tradições espirituais autênticas, como os neo-platonistas e a kabbalah. Sendo a astrologia o produto desta fontes, ela encaixou nelas de maneira perfeita. Não existe a necessidade de torcer, dobrar ou deformar a astrologia para fazê-la funcionar de maneira artificial.

A razão pela qual a astrologia de hoje não possui conexões com o pensamento filosófico moderno deve-se a dois fatores: a filosofia contemporânea saiu da trilha tradicional e a astrologia parou de ser suficientemente acadêmica para ser conectada com qualquer coisa.

No Renascimento, a astrologia tornou-se um conhecimento que a maioria das pessoas tinha dificuldade em acreditar. Então, elas pararam de utilizá-lo. Não que a astrologia fosse desaprovada, porém havia mais e mais dificuldade em aceitá-la, por vários motivos teóricos. As fundações filosóficas sobre as quais a astrologia estava baseada mudaram e esta não mais dispunha de um alicerce calcado no pensamento daquela época.

SV: E quanto a referência à Alquimia nestes textos?

RH: A alquimia é uma arte afim; porém, a diferença entre alquimia e astrologia é que esta é mais prática, e a alquimia, mais espiritual.

A alquimia prática aparece em textos da farmacêutica medieval, de cura de maneira geral e, num grau limitado, nos processos químicos usados na Idade Média. Entretanto, o corpo da verdadeira alquimia é sua parte teórica e espiritual. Espiritual seria, porém, a mais correta palavra.

Não existia o mesmo tipo de aplicação prática diária da alquimia, assim como era possível com a astrologia, e esta é a razão pela qual a astrologia sobreviveu. Mesmo que fosse desacreditada por alguns, ela ainda era utilizada, pois as pessoas não pareciam se importar se acreditavam ou não, pois ela funcionava e isto permitiu sua sobrevivência.

SV: Voltando ao trecho em que você referiu-se ao "des-esquecimento" da astrologia. Seria errado dizer que você pretende provar, através de métodos científicos, a astrologia no futuro?

RH: Se os métodos científicos forem semelhantes aos que estão sendo usados no momento, não, nunca! Alguns aspectos da astrologia podem ser provados por trabalhos, como a pesquisa dos Gauquelin, porém a ciência não é capaz de lidar com algo que é fundamentalmente um fenômeno lingüístico. Minha maneira favorita de ilustrar isto é a seguinte: seria possível provar que os sonetos de amor de Shakespeare são sonetos de amor, através de uma freqüência de contagem estatística?... Isto é o que as pessoas estão tentando fazer com a astrologia. Você desconecta os símbolos uns dos outros e obtém palavras, porém não uma língua.

A ciência não é capaz de lidar no momento com uma linguagem, e quando isto é feito, existe sempre um componente mecânico, ao invés de uma troca de informações entre consciências. Isto é o que linguagem é: uma troca que requer a transmissão e a recepção de diferentes consciências. A parte da transmissão é a mais interessante, pois "algo" está sendo transmitido para nós. Astrologia não é apenas uma natureza cega, como alguma coisa que é transmitida. Talvez, o que é transmitido seja a chave para a compreensão de sua linguagem completamente natural.

Eu acho que é muito difícil ser astrólogo e ateu. Uma vez que você decida que você não é ateu, entretanto, todas as coisas são possíveis e a tradição espiritual que você provavelmente seguirá deverá ser indefinida. Isto é também o que os cristãos fundamentalistas e os seguidores da Bíblia parecem não entender...

SV: Conjuntamente com o projeto Hindsight, você também envolveu-se com a fundação da Astrolabe? [Astrolabe é uma companhia produtora do software "SolarFire", já comercializado no Brasil].

RH: A Astrolabe foi muito anterior às minhas atividades atuais. Nós precisávamos de ferramentas de trabalho vindas dos computadores, então nós as construímos e agora elas já estão disponíveis. No meu caso, eu provavelmente passarei o resto de minha vida desenvolvendo projetos de pesquisa sobre a história da astrologia e tentar fazer com ela seja relevante aos astrólogos modernos. Eu tenho muitos livros em minha cabeça e alguns que já se materializaram, porém ainda não estão prontos.

SV: Robert Zoller, seu colega no interesse da pesquisa da astrologia antiga, é famoso por detestar o uso de computadores...(riso!). Seria incorreto dizer que Hand hoje seria Zoller com mais uma boa quantidade de Urano?

RH: Eu não sei... é possível! Eu não vejo a razão pela qual eu deva fazer cálculos à mão... Existe uma razão, às vezes, pois isto pode auxiliar à penetração na língua ou no simbolismo da astrologia. Isto pode ser útil, mas se você está fazendo cálculos à mão simplesmente porque não tem outro meio de fazê-los, de toda maneira procure utilizar um computador!

O exemplo clássico disto são as Direções Primárias. A principal razão pela qual as pessoas não utilizam Direções Primárias é porque elas são terrivelmente difíceis de calcular. Uma vez, eu sentei para calculá-las à mão e isto levou cerca de 5 horas - isto foi ridículo! Entretanto, imagino que teria levado muito menos tempo se tivesse praticado antes muitas vezes.

Quando você trabalha intensivamente para implementar uma técnica, é muito difícil julgá-la objetivamente. Você realmente quer aplicá-la, pois, depois de todo o trabalho, quer pensar que não estava perdendo tempo. Se você usa seu computador, não importa se você está perdendo tempo, pois ele apenas leva alguns segundos... Assim sendo, os computadores são muito bons em manter sua honestidade. Você não se torna apegado a determinada técnica somente porque ela é difícil; isto seria apenas uma razão boba para fazer alguma coisa. É muito bom fazer alguma coisa que é difícil se ela produz resultados produtivos, porém fazer algo somente porque é difícil é estúpido. Anteriormente, muito da astrologia costumava ser desta forma; entretanto, agora nós fomos para o outro extremo e não fazemos nada que seja o mínimo difícil. Por exemplo, Gary (Gary Christen) ontem estava falando sobre técnicas que lidam com mapas em um contexto esférico e ninguém parece estar fazendo mais isto.

SV: Você poderia descrever o projeto Hindsight ?

RH: Bem, eu não estou mais envolvido com ele. O Projeto Hindsight faz a recapitulação da tradição através de traduções de textos antigos, através de um sistema de assinaturas. Minha atual empresa, a ARHAT

(Arquive for the Retrieval of Historical Astrological Text), simplesmente traduz os livros, que posteriormente são vendidos, como qualquer outro livro. Tenho também dedicado especial atenção em escrever livros sobre a tradição, de maneira a torná-la mais acessível ao público. Conjuntamente a isto, eu ainda dou consultas individuais. Isto é uma atividade que gosto bastante, pois acredito ser uma maneira de prestar também um serviço à comunidade.

Continua no próximo Universus.